Paraíba

Revista NORDESTE: Em entrevista, Fuba, reconstitui fatos históricos em torno da morte de João Pessoa e aponta a Revolução de 1930 como ‘golpe político’


30/11/2021

Fuba aborda uma outra versão da Revolução de 1930 no livro “Parahyba 1930 – a verdade omitida”

Portal WSCOM / Revista NORDESTE

A reportagem de capa da edição nº 178 da Revista NORDESTE aborda fatos históricos sobre a Revolução de 1930, na Paraíba. Em entrevista concedida ao jornalista Walter Santos, o cantor, compositor e produtor cultural Flávio Eduardo, o Fuba como é mais conhecido, questiona a narrativa contada há 91 anos sobre um dos períodos mais marcantes da história política paraibana, que envolve a morte do ex-presidente da Província, João Pessoa.

Na entrevista, Fuba aborda trechos do livro “Parahyba 1930 – a verdade omitida”, lançado recentemente, com uma outra versão da Revolução de 1930.

“O que aconteceu aqui [na Paraíba] em 1930 não foi nada mais do que uma troca de oligarquia, uma permuta de poder feita de maneira inclusive impositiva, com derramamento de sangue e um oportunismo generalizado por quem queria a todo custo conquistar o poder. Tanto é que depois do golpe, com a destituição de Washington Luís e principalmente a partir de 1937 já sob o governo de Getúlio Vargas, o Brasil mergulhou numa ditadura das mais violentas em toda sua história, então não houve revolução, na verdade foi um golpe”, diz.

A entrevista com Fuba está imperdível. Para ler, basta clicar no link com a imagem da capa que fica localizado na parte inferior do Portal WSCOM e do Portal da Revista NORDESTE, ou, se preferir, basta clicar AQUI e acessar.

Leia a matéria na íntegra, abaixo:

91 ANOS DEPOIS
Livro reconstituindo a morte de João Pessoa em 1930 trata episódio como Golpe e não Revolução

Por Walter Santos

Embora estejamos há 91 anos de distância do assassinato do então presidente da Paraíba, João Pessoa, na Confeitaria Glória, em Recife, pelo advogado João Dantas, causando o que se denominou como Revolução de 1930, em pleno século XXI ainda há personalidades como o escritor, cantor, compositor e produtor cultural Flávio Eduardo questionando a narrativa histórica e traz em novo livro outras versões sobre o episódio que mudou a Paraíba e o Brasil.

Eis a entrevista na integra:

Revista NORDESTE – O Sr. expõe desde o lançamento recente do livro “Parahyba 1930 – a verdade omitida” uma outra versão da Revolução de 30. Por que é e baseado em que comprovações, o senhor a define como Golpe?

Flávio Eduardo Fuba – A revolução em si até hoje ela é questionada por não ter tido nenhuma mudança, não é, significativa no Brasil. O voto feminino e as leis trabalhistas que eram as principais bandeiras para justificar a revolução, eram pautas que já estavam sendo discutidas, mais cedo ou mais tarde haveriam de acontecer. Na verdade, não devemos comparar a nossa revolução com a revolução da França, da Rússia, ou de Cuba como vários historiadores insistem em defender. Estas revoluções aconteceram de forma significativa, já que tiveram transformadas todas as estruturas sociais, econômicas, culturais e políticas desses países, então isso aí realmente é uma revolução, o que aconteceu aqui em 1930 não foi nada mais do que uma troca de oligarquia, uma permuta de poder feita de maneira inclusive impositiva, com derramamento de sangue e um oportunismo generalizado por quem queria a todo custo conquistar o poder. Tanto é que depois do golpe, com a destituição de Washington Luís e principalmente a partir de 1937 já sob o governo de Getúlio Vargas, o Brasil mergulhou numa ditadura das mais violentas em toda sua história, então não houve revolução, na verdade foi um golpe.

NORDESTE – Qual o papel de Assis Chateaubriand, paraibano inclusive, na construção e mudança de rumo do Brasil em 1930 diante da morte de João Pessoa?

Fuba – Assis Chateaubriand sem dúvida alguma foi o principal articulador na criação deste cenário todo. Durante as eleições de 30 ele já articulava nos bastidores a possibilidade de conspirar caso não lograsse êxito nas urnas. A principal bandeira da aliança liberal era exatamente a anistia dos punidos do movimento tenentista de 1922 coincidentemente julgados por João Pessoa quando era Ministro do Supremo Tribunal Militar no governo do seu tio Epitácio Pessoa. Apesar de 17 estados apoiarem a chapa oficial de Júlio Prestes e Vital Soares, o Movimento da Aliança Liberal crescia com apoio dos principais jornais do Rio e de São Paulo, ou seja, com apoio de Assis Chateaubriand, que era o rei da mídia na época. Mas ele ainda achava pouco para montar a sua Festiva e com argumento de apoio à chapa que crescia, que era de Getúlio Vargas e João Pessoa, ele ainda assumiu o Diário de Notícias de Porto Alegre, ele ainda montou o Diário da Noite, um novo jornal do Rio de Janeiro, e fortalecer a rede né com a Revista O Cruzeiro, o jornal e os diários de São Paulo, que era um peso na época para qualquer campanha política. Apesar de toda a sua investida, eles perderam a eleição, não deu certo, então no dia 1º de março foi realizada as eleições e o paulista Júlio Prestes teve 1 milhão e 100 mil votos contra 737 mil votos de Getúlio Vargas e João Pessoa, então no dia do resultado, ele colocou em sua rede de jornal, em letras garrafais uma única palavra: fraude. Ele não aceitou a eleição já de cara né e aí tem muitos historiadores que dizem que se houve fraude, houve das duas partes, por que como se explicar por exemplo que no Rio Grande do Sul Getúlio Vargas teve 300 mil votos contra 937 parece de Júlio Prestes? Então, muito pouco, a diferença enorme. Mas Chateaubriand sempre fui a favor da revolução, mesmo antes da eleição ele já conversava com João Pessoa, chegou uma ocasião numa roda de pessoas, chegou a dizer, ‘se a gente não ganhar a eleição, nós que somos de Umbuzeiro, a gente ganha na bala’, que João Pessoa na mesma hora discordou. João Pessoa não queria revolução ele detestava essa palavra, ele chegou a confidenciar inclusive a amigos que preferia mil vezes a vitória de Júlio Prestes do que uma revolução. Agora, depois que João Pessoa morreu, assim que Chateaubriand vida recebeu a notícia da morte de João Pessoa, mesmo se tratando de um crime passional, ele tratou de publicar em todos os seus jornais e editoriais a manchete que João Pessoa teria sido assassinado por João Dantas a mando do Governo Federal e aí não parou por aí, ele só poderia ser enterrado depois que Júlio Prestes, que se encontrava na Europa, estivesse em solo brasileiro. Ele montou uma estratégia muito bem feita para comover a nação, digamos assim, ele resolveu então embalsamar o corpo de João Pessoa e percorrer várias capitais brasileiras fazendo discurso da aliança liberal e fomentando o golpe, e estrategicamente o corpo de João Pessoa chegou no Rio de Janeiro para ser enterrado, que na época era capital federal, exatamente no mesmo dia que Júlio Prestes estava chegando da Europa como presidente do Brasil para tomar sua posse. Chateaubriand ainda conclamou né que todos acompanharam o enterro e ele próprio na hora de entender se ajoelhou no caixão em lágrimas cantou o hino nacional. Foi criado essa comoção, o enterro de João Pessoa foi transformado em uma grande apoteose política. Na verdade, João Pessoa foi usado através de Chateaubriand pelos jornais e da revista Cruzeiro como a bandeira para dar o pontapé inicial e construir o golpe e tomar o poder, foi isso que aconteceu.

NORDESTE – Há informações de que a mobilização em torno da morte implicou em construção até de símbolos buscando “santificar” o presidente colocando imagens dele com anjos ao seu redor. Tem como provar isso?

Fuba – O excesso de homenagem a João Pessoa foi extremamente exagerado, tornando-se até de certo modo, digamos assim, patético. Durante os funerais, por exemplo, as pessoas foram obrigadas a se ajoelharem em pleno cortejo sob pena de serem repreendidas. Fizeram uma enorme fotografia de corpo inteiro, confeccionaram essa fotografia e ela era colocada todos os dias para desfilar nas ruas da capital numa tentativa grotesca de santificar o presidente. O histerismo coletivo gritava ‘viva o presidente, viva a revolução, ele não morreu’. Segundo José Joffily, no seu livro ‘Revolta e Revolução: 50 anos depois”, as pessoas que não se ajoelhassem diante da passagem dessa fotografia que era desfilada todos os dias na capital eram chicoteadas, olha que loucura, chicoteados. José Joffily foi uma das pessoas que pegou na alça do caixão do presidente, já no livro, de por exemplo de Wellington Aguiar, aquele livro dele ‘O Reformador’, ele fala que o Jornal ‘O Liberal’ chegou a noticiar um milagre a ele atribuído, a João Pessoa, olha que loucura.  Foram compostas várias músicas com várias pessoas, fizeram música para o ‘Nego’, fizeram música para João Pessoa, Francisco Alves até cantava uma, e compuseram também um hino que tentaram torná-lo oficial e trazer a tônica da santificação de João Pessoa. Tem um pedacinho da letra que dizia ‘João Pessoa, João Pessoa bravo filho do Sertão, toda Pátria espera um dia a sua ressurreição’, olha que loucura, comparando a Jesus Cristo. Construíram o altar da Pátria, onde as escolas levavam seus alunos para visitação e adoração ao monumento do “Herói”, digamos assim. Essas aulas de campo, como eram chamadas, geralmente eram acompanhadas de uma romaria, que ia da catedral até o monumento dele lá na Praça João Pessoa, hoje né, onde os alunos, rezavam, depositaram flores, entoavam esse hino e cantavam também o hino nacional. Cartilhas foram feitas e distribuídas em todos os colégios do Estado e os alunos tinham que estudar a história que eles fabricaram, esses alunos depois eram sabatinados. Quiseram ainda construir o Arco do Triunfo igual aquele que tem em Paris, mas esse projeto cancelado por falta de verba. Ainda assim fizeram uma campanha comercializando vários folhetos, livrinhos, contando a história da morte de João Pessoa, partituras musicais contendo o hino, esse hino que fizeram e outras músicas também que foram feitas em sua homenagem, alguns chamavam inclusive de ‘O homem Deus’ e para fechar o filho, como se diz na linguagem popular, quando Getúlio Vargas assumiu, construiu um grande painel que foi colocado lá no Palácio do Catete, um painel enorme sacramentando a santificação do presidente. Esse painel estava João Pessoa arrodeado de anjos para todos os lados, e as pessoas falavam ‘o homem Deus, o homem Deus’. Uma loucura generalizada.

NORDESTE – A versão oficial de época diz que o advogado João Dantas, autor da morte de João Pessoa, morrera na cadeia suicidando-se. Qual sua opinião e que documentos apresenta em caso de questionamento? ´

Fuba – Tanto João Dantas como o seu cunhado Augusto Caldas, foram assassinados dentro do presídio. O fato que comprova isso é que logo que o crime aconteceu, Luís Pierrec, um fotógrafo francês bem conhecido lá em Recife, na hora que soube do crime correu lá na cadeia e fotografou a cena do crime, os dois lá ensanguentados. Só que pouco tempo depois Carlos de Lima, que era o interventor de Pernambuco, já tinha acontecido a revolução, pediu para que Pierrec voltasse à cadeia para tirar novas fotos. Aí Pierrec voltou, e ao chegar lá para tirar novas fotos, foram trocadas as posições dos corpos que já estavam limpos de sangue, e manipularam a cena dando a impressão de que teria havido uma luta corporal entre João Dantas e Augusto Caldas, seu cunhado, e que João Dantas teria morto Augusto e depois praticado o suicídio. Essas fotos foram as que viraram oficiais, que foi posta em todos os jornais do Brasil, na Revista Cruzeiro, na mídia em geral por Assis Chateaubriand. Depois de acatar essa ordem expedida pelo Carlos de Lima e pelos correligionários de João Pessoa, o Luís Pierrec entrou numa profunda depressão e antes de completar um mês ele acabou praticando suicídio. A mentira foi descoberta logo depois que ele morreu, porque foi encontrado no cofre dele uma carta para o filho, um envelope lacrado com as fotografias originais e verdadeiras de como aconteceu o assassinato. Todos os negativos como as fotos foram entregues aos familiares e enfim foi confirmada a farsa. Um ano depois, na exumação do corpo de João Dantas, ficou comprovado mais ainda que seu crânio estava completamente rachado pelas pauladas recebidas pelos seus assassinos, e aí não ficou mais nenhuma dúvida do que realmente aconteceu naquele dia.

NORDESTE – A narrativa da época culpou os líderes políticos ligados aos Perrepistas, de oposição, pela autoria e morte do presidente. Qual sua opinião e que documentos apresenta em contrário?

Fuba – Não existe nenhum documento colocando os líderes políticos ligados aos Perrepistas como tinham o feito uma conspiração visando o assassinato de João Pessoa, isso não existe. Não existe um documento, porque na verdade não existe isso, os Perrepistas não queriam matar João Pessoa, muito pelo contrário, eles fugiram da Paraíba durante a Revolta de Princesa. Essa narrativa foi fruto exclusivamente de Assis Chateaubriand, que transformou esse crime passional em um crime político, usando o cadáver de João Pessoa como principal bandeira da revolução. João Pessoa literalmente foi usado por Assis Chateaubriand e pela aliança liberal para dar o pontapé inicial do golpe.

NORDESTE – É real ou ficção afirmar que a morte de João Pessoa teve motivação exclusivamente passional?

Fuba – João Pessoa virou inimigo de todos os Perrepistas. Mesmo tendo as origens políticas e suas desavenças, o que levou mesmo João Dantas a assassinar João Pessoa foi exclusivamente a desmoralização em que foi submetido por João Pessoa ao expor sua vida íntima e pessoal através das cartas e fotografias que foram trocadas entre ele e a sua namorada, Anayde Beiriz. Mas é bom entender também como foi que começou essa desavença. Na verdade, de Joaquim Dantas, que era o irmão de João Dantas, morava no Rio de Janeiro há 17 anos e veio passar férias na Paraíba no meio dessa confusão. Então, João Pessoa mandou prendê-lo e começou a torturá-lo achando que ele estava vindo com armas para nutrir as tropas de Zé Pereira. Não tem nada a ver, Joaquin Dantas veio passar as férias. Eaí João Pessoa começou a torturar, João Dantas sobre e passou um telegrama para João Pessoa dizendo que o que acontecesse ao seu irmão não se responsabilizava do que poderia acontecer, essa foi uma primeira ameaça. Daí, João Pessoa começou a esculhambar a família de João Dantas pelo Jornal, invadiu a fazenda do seu pai, o Franklin Dantas, tocou fogo e tudo mais e começou a esculhambar pelo jornal A União. Os primos de João Pessoa, José Pessoa de Queiroz, Francisco Pessoa de Queiroz, e João Pessoa de Queiroz, ofereceram o Jornal do Comércio a João Dantas para fazer a contrapartida com João Pessoa. Essa briga durou do dia 22 ao dia 26, o dia da morte. Todo dia saia ‘A União’ esculhambando com a família do Dantas e João Dantas respondendo esculhambando João Pessoa. E aí João Pessoa foi mais além, entendeu, ele ordenou que o delegado Manoel Moraes invadisse a casa/escritório de João Dantas, que ficava ali na Avenida Duque de Caxias e fizesse uma busca lá alegando que ia buscar armas. Só que chegaram lá, João Dantas era advogado conceituado, foi sócio de João da Mata, de José Américo de Almeida também, chegando lá simplesmente a polícia fez uma devastação total dos documentos dos seus constituintes, jogou tudo na rua, os móveis, tocou fogo, quebrou tudo. Lá no meio de tudo tinha um cofre e eles resolveram arrombar esse cofre, quando arrombara esse cofre, encontraram as cartas íntimas e fotografias que eram trocados entre João Dantas e Anayde e documentos também pessoais e confidenciais do seu pai. Esse foi o principal motivo, porque João Pessoa, no dia que viajou para Recife, no dia 26, que foi o dia da sua morte, ele publicou no jornal A União que tinha encontrado cartas imorais, mas que não seria possível publicar no jornal porque as cartas eram bastante imorais e ia ferir a sociedade, a família, mas iria expor na delegacia de polícia e quem quisesse ver estarei lá exposta a intimidade do casal né E aí foram formadas as filas intermináveis. João Dantas estava no bonde quando viu no Jornal A União trazendo essa matéria. Ele simplesmente surtou, e aí desceu do bode, correu na casa de Augusto pegou o revólver de Augusto Caldas e saiu à procura de João Pessoa, porque no mesmo jornal tinha uma notinha pequenininha dizendo que João Pessoa iria visitar o juiz federal Cunha Melo, há também vários historiadores e artigos que saíram jornais inclusive na época, que na verdade uma pessoa iria se encontrar com Christine Maristane que era uma cantora lírica e que dizia que ele era amante dela, isso de fato não foi comprovado, mas há quem diga isso também. O navio dela atrasou, enfim. O fato também é que que João Pessoa viajou pela primeira vez a Recife sozinho, apenas com o motorista, não foi com a comitiva, alguma coisa estranha acontecendo nessa viagem, porque ele jamais poderia ir para Recife naquele momento onde ele tinha bastantes inimigos. Tinha uma matéria de Praxedes Pitanga inclusive que fala que a João Pessoa era é um suicida, exatamente falando sobre isso, porque ele jamais poderia ir em Recife naquele momento, onde tinha bastante inimigo, ele prejudicou o comércio de Recife, enfim, e ele foi sozinho com motorista, dispensou a comitiva. Nesse mesmo jornal, João Dantas viu que que ele estava lá para o Recife. Então ele surtado, vendo a sua intimidade sendo exposta, é como se vazasse um ‘nudes’ hoje na internet, trazendo a comparação aqui para 2021, desmoralizou a vida dele, então ele surtou, pegou e saiu catando até que encontrou João Pessoa no Café Glória junto com Agamenon Magalhães e Caio de Abreu, se apresentou, porque João Dantas nunca tinha falado um ‘oi’ com João Pessoa, disse ‘eu sou João Dantas’ e já foi atirando, matou. Augusto Caldas chegou na hora tentando socorrer para ver se evitava o crime, mas chegou já tinha acontecido e acabou sendo preso também. Então, esse realmente foi o principal motivo que levou João Dantas a matar. Essa exposição causou uma profunda indignação, o que fortalece a tese de crime passional e lavagem de honra.

NORDESTE – Anayde Beiriz precisou sair da Capital paraibana por retaliação. Qual a versão verdadeira sobre sua morte?

Fuba – Após o assassinato do presidente João Pessoa, a vida de Anayde Beiriz virou um verdadeiro inferno. Tentaram primeiro culpa-la como pivô da morte do presidente João Pessoa, era taxada de prostituta, difamada por uma sociedade oligárquica e violenta, que exatamente as mesmas pessoas que invadiam, incendiavam as casas dos Perrepistas, por isso mesmo Anayde vivia pulando de casa em casa tendo que se esconder para não ser apedrejada. As pessoas queriam apedrejá-la. Até que fugiu depois para Recife. No dia 22 de outubro de 1930 refugiou-se no asilo Bom Pastor, em Recife, suicidando-se e sendo enterrada no mesmo dia. Há no entanto uma controvérsia diante desses fatos, porque alguém que não se sabe quem foi deixa-la no asilo, até hoje não sabe quem foi essa pessoa que foi deixa-la lá de carro. A dúvida é se ela já chegou envenenada no asilo ou se cometeu suicídio ao chegar lá naquele recinto. Então isso é uma dúvida que permanece até hoje.

NORDESTE – Como se deu a ação policial e política contra os Perrepistas antes e depois da morte de João Pessoa?

Fuba – Para entender esses fatos é necessário compreender como se deu essa disputa né e onde se originou. Na verdade, João Suassuna governava a Paraíba em 1928 e tinha escolhido Júlio Lira para ser o seu sucessor. Resolveu consultar a Epitácio Pessoa até porque tanto ele como o Coronel Zé Pereira, Aristarco Cavalcanti, várias pessoas  apoiaram Epitácio Pessoa em 1915 para ele ser o presidente da Paraíba, então em 19 Epitácio  acabou virando presidente do Brasil, mas não por ele querer, a verdade o que aconteceu em 19 foi que Rodrigues Alves que foi eleito presidente do Brasil faleceu da gripe espanhola e aí criou-se uma disputa entre São Paulo e Minas Gerais por conta da política do café com leite, e aí foi criado uma junta governista e nesse mandato, unicamente nesse mandato, resolveram colocar uma pessoa que não fosse nem de Minas nem de São Paulo, e essa junta governista escolheu o nome de Epitácio Pessoa, que nem nele voltou, porque eles estava em Paris, no Congresso de Versalhes. A eleição foi no dia 13 de abril de 1919 ele só chegou aqui em julho já como presidente o Brasil, nem sequer nele mesmo ele voltou, então depois que Epitácio saiu da presidência da República, a oligarquia caiu em declínio, saiu fora da política. Então, em 1928, quando João Suassuna escolheu Júlio Lira para ser candidato, comunico Epitácio Pessoa, que viu aí ou a possibilidade de reerguer a oligarquia dele indicando o nome de João Pessoa. A princípio houve resistência tanto de Zé Pereira como de João Suassuna, de várias pessoas, mas acabaram cedendo, então quando João Pessoa assumiu o governo, ele quis arrecadar dinheiro para o Estado, uma das coisas que ele fez foi exatamente colocar o imposto alfandegário vindo de toda a mercadoria de Recife, já que a gente não tinha porto, e isso criou um clima com os próprios familiares dele, os Pessoas de Queiroz, que era José Pessoa de Queiroz, Francisco Pessoa de Queiroz e João Pessoa de Queiroz. Eles tinham comércio de Recife e também eram donos do Jornal do Comércio. Dentro da Paraíba, João Pessoa colocou de 20 em 20 Km porteiras, tanto que o próprio irmão apelidou ele de ‘João Porteira’. Essas porteiras fizeram com que o aumento das mercadorias fosse grande. Por exemplo, uma escova de dente chegava no sertão com 500% de aumento. Na verdade, João Pessoa foi quem criou o pedágio no Brasil. Com isso, ele arrecadou bastante dinheiro para fazer obras e tudo, uma medida inteligente, mas ao mesmo tempo que desagradou tanto a população da Paraíba como especialmente a de Recife, e aí entraram numa disputa, começaram a brigar no jornal, e essa disputa demorou mais de cinco meses e detonou a família entre si. Epitácio Pessoa ficou calado em vez de interferir nessa briga familiar, deixou para lá, e quando os Pessoas de Queiroz entraram no Tribunal de Justiça para derrubar esses impostos, quando conseguiu a família já estava toda deteriorada. Então, aí veio logo em seguida a sucessão presidencial. Quando chegou a sucessão presidencial, nós tínhamos 20 Estados da Federação. Washington Luiz, neste momento também quebrou a política café com leite, era vez de Antônio Carlos que era o presidente de Minas Gerais e ele resolveu quebrar a política do café com leite por conta de salvar a crise do café em São Paulo. Então ao saber disso, Antônio Carlos já fez uma reunião secreta articulado por Assis Chateaubriand para que caso Washington Luiz quebrasse a política do café com leite, Minas Gerais lançava Getúlio Vargas como candidato a presidente. Então, essa conspiração já existiu antes mesmo da sucessão presidencial, de Washington Luís escolher Júlio Prestes. O que é que acontece nesse caso: Getúlio Vargas era ministro do governo de Washington Luís, então combinaram isso, eram 20  estados na federação, 17 foram apoiar a candidatura de Júlio Prestes o Vital Soares, Minas Gerais se aliou ao Rio Grande do Sul, e a Paraíba ficou em cima do muro porque aí Epitácio Pessoa viu aí uma possibilidade de reerguer mais ainda sua oligarquia e foi a Washington Luiz, nem Getúlio Vargas nem Júlio Prestes, um terceiro nome que não se sabe quem, eu já procurei vários livros e não sei quem seria esse nome, mas provavelmente seria dele mesmo ou de Agamenon Magalhães que era um super amigo de Epitácio. Enfim, então Washington Luís negou essa possibilidade. Só uma semana depois que Epitácio pediu para que João Pessoa passasse um telegrama para Tavares Cavalcante dizendo que não ia apoiar a candidatura de Júlio Prestes, e aí lançou ele como candidato a vice na chapa de Getúlio Vargas. O telegrama que João Pessoa passou para o Governo Federal em nenhum momento tem a palavra ‘Nego’, tanto é que é o Hélio Silva, que é um dos maiores historiadores do Brasil em um dos maiores também pesquisadores da vida de Getúlio Vargas, ele é enfático ao dizer que o ‘Nego’ é a maior mentira da história do Brasil. Na verdade quem deu o ‘Nego’ foi Washington Luiz a Epitácio Pessoa. Então, nesse telegrama não tem nenhum momento a palavra Nego, criaram como uma possibilidade de uma justificativa de fortalecer o nome de João Pessoa depois que ele foi morto. Então, veio a eleição presidencial. Essas pessoas não queriam votar em Getúlio Vargas, queriam apoiar Júlio Prestes, porém mais uma vez, eles cederam, tanto Oscar Soares, como Coronel José Pereira, como João Suassuna, e resolveram apoiar João Pessoa. Nessa época eram cinco candidatos, quatro a deputado federal e um candidato a senador. O que é que acontece: faltando apenas 12 dias para a eleição, João Pessoa resolveu retirar as candidaturas de todos esses candidatos, que foram pessoas que apoiaram a vinda dele para ser presidente da Paraíba, alegando que ia renovar o partido colocar outros nomes. Isso aí que causou constrangimento principalmente com Zé Pereira, mas Zé Pereira terminou acatando também. Só que dentre eles existia Carlos Pessoa, que era também candidato a deputado federal. João Pessoa cortou o nome das pessoas e cortou o nome de Antônio Márcio, de Daniel Carneiro, de Oscar Soares e de João Suassuna, e deixou o nome de Carlos Pessoa. Então aí Zé Pereira disse “não, se é você está dizendo que é para renovar o partido, que vai renovar, vai substituir todos os candidatos, então você tem que tirar o nome de Carlos Pessoa”. João Pessoa não obedeceu a isso, deixou Carlos Pessoa e fez um documento unipessoal do partido retirando todos esses candidatos e deixando Carlos. Foi aí que Zé Pereira disse que não ia votar em João Pessoa e Getúlio Vargas. Aí João Pessoa disse “não, nesse nesse caso eu vou monitorar eleição”. Faltando dois dias para eleição, ele foi com o delegado Arcedino Feitosa monitorar a eleição no Sertão. Já chegaram em Teixeira atirando para cima, amedrontando as pessoas, e a ordem era ‘quem não votar em mim, quem for da família Dantas, que for Perrepista tem que saquear as casas, queimar’, era essa era essa a ordem, e ele já chegaram dando tiros para cima aquela, prendendo duas senhoras, e aí começou a invadir. As casas do Perrepistas eram marcadas com x e queimadas. Zé Pereira tinha 300 capangas na fazenda dele, na época que João Suassuna era o governador e que Lampião invadiu a Paraíba, como a polícia era deficitária, o próprio João Suassuna pediu ajuda de Zé Pereira para que expulsar Lampião. Uma semana depois foi morta uma criança de 14 anos, e aí as pessoas começaram a ficar revoltadas e a coisa começou a ficar preta, porque as pessoas que tinha suas casas saqueados, queimadas, se acostavam ao Exército de Zé Pereira que a princípio tinha 300 homens, ficou com 2 mil pessoas. A Polícia de João Pessoa tinha 850 homens, ele mandou todos para monitorar, e a guerra começou aí, a chamada ‘Revolta de Princesa’. Um absurdo, porque todo dia mortes e mais mortes, a polícia saqueava casas, as pessoas pegavam em armas e tudo mais. Inclusive tem uma curiosidade da música de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira que fala exatamente disso, da Revolução de 30: “Eita, pau Pereira, em Princesa já roncou, Eita Paraíba, mulher-macho sim, senho”. As mulheres pegavam em armas para defender os seus lares, para defender as suas propriedades e suas famílias. João Pessoa aumentou mais 850 homens e começou a travar essa guerra, a maior guerra civil que a Paraíba já teve, talvez a única, mas foi muito violenta e todo dia era morte. Como Zé Pereira conhecia muito a região do Sertão ele pegava a polícia de João Pessoa por emboscada. Continuando essa guerra, veio a eleição presidencial, Getúlio Vargas perdeu a eleição junto com João Pessoa, em vez de Washington Luiz fazer uma intervenção na Paraíba deixou a coisa para lá, só veio parar com a morte de João Pessoa. Em determinado momento, Zé Pereira dividiu a Paraíba em duas, dois estados, foi criado o Estado de Princesa, com hino, com banda, com tudo que tem direito né. E aí João Pessoa nunca conseguiu chegar aos seus objetivos dele né então diante isso João Pessoa dizia que estava combatendo os cangaceiros, mas essas pessoas não eram cangaceiras, mas ele dizia na capital que estava combatendo cangaceiros pregando o medo na população da capital. Nisso continua a guerra, Washington Luiz não interferiu até a morte João Pessoa. Depois que aconteceu a morte, o pessoal da Aliança Liberal se revoltou mais ainda porque a polícia mandou soltar os presos para matar Perrepistas, então eles foram embora daqui, as pessoas que ficaram tiveram que mudar o sobrenome. Enfim, foi um horror. O pai de Ariano Suassuna, João Suassuna, foi assassinado com três tiros pelas costas, logo depois que houve a revolução propriamente dita. Depois Antônio Carlos de Lima assumiu a intervenção de Pernambuco. O papel da polícia antes e depois como fala sua pergunta foi de amedrontar, tanto antes como depois da morte de João Pessoa, pois continuaram pregando o medo, invadindo as casas, criou-se uma Fúria, demência coletiva. Foi isso que aconteceu, a ação principal da polícia seja antes da morte de João Pessoa como depois da morte.

NORDESTE – Qual foi a atuação de Epitácio Pessoa nos bastidores para fazer João Pessoa presidente? Ouve consenso? Ariano Suassuna teria lhe dito que seu pai, João Suassuna, erara ao aceitar a indicação de Epitácio?

Fuba – O pedido de Epitácio Pessoa para que acatasse o nome de João Pessoa como presidente da província da Paraíba, é importante frisar que naquela época os governadores eram chamados assim, presidente de província. Na verdade João Pessoa nunca foi presidente do Brasil muita gente confunde isso. O pedido dele foi fundamental para essas pessoas, esses Perrepistas. Tanto João Suassuna, Zé Pereira, Antônio Márcio, Daniel, Oscar Soares, todos eles tinham um respeito enorme por Epitácio Pessoa, porque foram eles que colocaram Epitácio para ser o presidente da província da Paraíba em 1915, e logo em seguida em 19 Epitácio tirou o presidente do Brasil. Então existe um respeito enorme a Epitácio, mas a imposição do nome de João Pessoa, para muitos políticos da época, comentaram que seria um desastre ao próprio Epitácio Pessoa, dizendo ‘olha, você vai colocar o seu sobrinho, mas vai ser um desastre, porque não tem a capacidade de governar bem o seu Estado’. Ele foi alertado por vários políticos do Brasil na época, e João Suassuna terminou acatando o nome de João Pessoa por conta desse respeito. Tanto é que Ariano Suassuna disse para mim, mas para qualquer pessoa que tocava no assunto de 1930, inclusive tem esse mesmo depoimento em vários livros de histórias da Paraíba na época, que o maior erro político do pai dele foi exatamente ter acatado o nome de João Pessoa para governar a Paraíba, o que levou à guerra civil, a Revolta de Princesa, acabando com mortes e terminando com a sua própria morte. João Suassuna foi assassinado no Rio de Janeiro, inclusive com uma carta dirigida para Rita, sua esposa, achando que não ia demorar e não ia ficar muito tempo vivo, ele estava indo no Correio para levar essa carta quando foi assassinado com três tiros pelas costas. Então, Ariano dizia isso abertamente a todos que falavam sobre a Revolução de 30, e não só para mim, mas tem vários livros de história do Brasil.

NORDESTE – Por fim, que efeitos deste cenário trágico ainda persistem na atualidade. A Paraíba superou o episódio?

Fuba – Sem dúvida uma história trágica, com final triste, foi muito ruim para a Paraíba, eu vejo assim. Seria incoerente inocentar o seu assassino, João Dantas, como também retirar a culpa do seu provocador, João Pessoa. Faltou tato político para João Pessoa, pecou pela falta de diálogo, o seu temperamento era muito forte também não permitiu isso. Talvez se tivesse mais cautela em suas atitudes teria entrado para a história como um grande governador e não por ter sido assassinado por João Dantas. Não tenho dúvida que a vitória da Revolução se deu unicamente pela morte dele, eles usaram com muita habilidade todos os proventos políticos diante à morte de João Pessoa. Os efeitos que esse cenário causou são trágicos. Primeiro, houve um fanatismo coletivo e 37 dias após a morte de João Pessoa mudaram o nome da cidade, da capital. Isso foi uma articulação a princípio feita por Américo Falcão poeta lá de Lucena, mas teve habilidade fundamental do padre José Coutinho, que considerado o rei dos Pobres naquela época. João Pessoa tinha 62 mil habitantes, dos quais 74% era paupérrimos, em casa de taipa e o padre Zé Coutinho era assim era o Rei dos Pobres, ele que dialogava com todos e ajudava, aquela coisa todinha, ele fazia esse intercâmbio da burguesia com os pobres. Ele queria demais que mudasse o nome da cidade e depois de mais de mês que tinha sido morto João Pessoa, ele encontrou com o Generino Maciel, um deputado de Campina Grande e propôs que Generino fizesse um projeto para mudar o nome. Generino à princípio não queria de jeito nenhum, mas ele convenceu dizendo que ele poderia entrar para história, que ele levaria o povo para o Teatro Santa Rosa, a Assembleia naquela época estava funcionando no Teatro Santa Rosa, o nome da cidade foi mudado lá. Acabou que Generino entrou na de padre José Coutinho e fez o projeto. Foi discutido à princípio no dia 1º de setembro, não houve consenso, ninguém queria, os deputados não queriam. No dia 2 de setembro mais uma vez foi votado, e não tinha acordo, ninguém queria, achava que era um exagero, já tinha feito todas as homenagens a João Pessoa, então mudar o número da capital e a bandeira do Estado seria um absurdo, e aí no terceiro dia também no dia 3 de setembro também não houve consenso. Só no dia 4 de setembro é que foi feita a mudança porque levaram ovos e começaram a jogar nos deputados. E aí o pessoal com medo ainda né do que tinha acontecido na Paraíba, tanto sangue, tanta morte, os deputados saíram correndo e mudaram o nome praticamente a força. No dia 25 do mesmo mês, de setembro, também aí mudaram a bandeira. Colocaram o preto do luto pela morte de João Pessoa, o vermelho é a cor da aliança liberal, muitos falam que era do sangue derramado, não, mas era a cor da Aliança Liberal e o ‘Nego’ que nunca existiu, nunca existiu esse ‘Nego’ no telegrama de João Pessoa. Ele não preferiu essa palavra em momento algum de sua vida. Isso aí particularizou a história e trouxe um peso. Acho que é sempre bom lembrar que uma história de sangue de luto jamais deverá ser motivo de orgulho. Estamos aí há 91 anos com esse peso, eu acho que não houve consenso porque na Constituição de 1988 existe uma cláusula que qualquer deputado poderá puxar um plebiscito para ver se as pessoas querem que mude, volte a ser o que era ou não, mas isso é uma coisa muito difícil, porque ninguém conhece a verdadeira história e acham que é um assunto irrelevante. Acho que causou efeitos nada bons para a Paraíba.



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