Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Opinião

Vençamos a tradição histórica da impundade no Brasil


09/11/2024

Foto: Paulo Pinto (Agência Brasil)

A história republicana nacional tem nos mostrado que a anistia é sempre praticada usando do pretexto de que se faz necessária para que se alcance uma pacificação social e a garantia de governabilidade. Em 1956, no início do governo Juscelino Kubitschek, o Congresso Nacional aprovou projeto anistiando militares e civis que arquitetaram um golpe de estado no episódio conhecido como a “Revolta de Jacarepaguá”. Em 1961 o parlamento brasileiro anistiou todos os militares e civis que teriam participado de insurreições golpistas desde 1934, incluindo a tentativa ocorrida em 1959, na “Revolta dos Aragarças”. Portanto, a verdade é que nosso país tem historicamente sido condescendente com golpistas, assim como aconteceu com os que deram o Golpe de 64, instituindo uma ditadura militar que perdurou por 21 anos.

A impunidade dos crimes perpetrados por agentes do Estado, ainda que comprovados, foram perdoados pelo Congresso. É impossível não reconhecer que a impunidade dessas violações ao Estado Democrático de Direito estimula a repetição no presente e no futuro. Aí residem os perigos da não responsabilização, concorrendo, inclusive, para o esquecimento dos acontecimentos pretéritos que ameaçaram a nossa ordem social e política, e, por consequência, oferecendo motivação para que alguns voltem a articular novos esforços com o intento da promover rupturas institucionais.

O tema voltou agora a ser debatido com o objetivo de anistiar os vândalos que depredaram o patrimônio publico representado pelas sedes dos Três Poderes em Brasília, no dia oito de janeiro de 2023. Por enquanto, apenas o que podemos classificar de “raia miúda” está sendo penalizada. A proposta, portanto, tem a intenção de evitar a responsabilização dos líderes políticos, militares e os financiadores da arquitetura do golpe pretendido. Mais do que punir os atores que praticaram os atos, é necessário, sim, alcançar os líderes, práticos e intelectuais, nos termos da lei, seja pela participação efetiva ou por omissão.

As manifestações que pediam intervenção militar e a volta do AI-5, recebiam apoio de lideranças políticas, muitas delas exercendo cargos no governo federal. Os acampamentos formados em frente aos quartéis do Exército, que reivindicavam um golpe de estado, contavam com a presença de militares e políticos, incluindo parentes, o que sustenta a hipótese do envolvimento deles nos atos antidemocráticos que culminaram com o vandalismo do oito de janeiro. Destruir prédios públicos, aos gritos de “Deus, pátria e família” é crime que não pode isentar seus executores de responsabilidades penais.

É preciso que tenhamos a consciência política de que não estamos mais num regime autoritário como na época em que foi aprovada a Anistia de 1979 e aprendermos com os erros do passado, não permitindo que essa tradição da impunidade seja perpetuada. O perdão aos golpistas que atuaram nos anos recentes poderá ser compreendido como uma carta branca para que aqueles criminosos fatos voltem a acontecer, pondo em xeque a nossa democracia. Conceder anistia a essas pessoas é o mesmo que admitir que esses atos são aceitáveis, considerando a tentativa de um golpe de estado um pequeno delito. Temos que provar que não vivemos numa República de faz de conta. Deixar claro que quem deseja derrubar o regime democrático, responderá por seus atos, assegurados os direitos de defesa previstos em nosso ordenamento jurídico.

Rui Leitão


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