Política
Lei ‘Anti-Oruam’ chega a João Pessoa; oposição aponta ‘racismo’, questiona quem julgará a arte e faz paralelo com censura da Ditadura Militar
08/03/2025

(Foto: Reprodução)
Anna Barros / Portal WSCOM
Qual é o limite entre a liberdade de expressão e a promoção de discursos criminosos? Este é um questionamento que rege qualquer país que esteja em um sistema político democrático. No entanto, essa discussão ganhou ainda mais força no Brasil com o Projeto de Lei Ordinária que ficou conhecido como “Lei Anti-Oruam”, que proíbe a utilização de recursos públicos para a contratação de artistas que fazem apologia a crimes em suas músicas. No final de fevereiro, o vereador Milanez Neto (MDB), apresentou o PLO 04/2025, de sua autoria, para que seja tramitado em João Pessoa.
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Em defesa do PLO, o parlamentar afirmou que “não dá mais para aceitar festas promovidas pelo poder público, regadas a drogas e que celebram criminosos. O dinheiro público deve ser investido em cultura, não em criminalidade”.
Neste final de semana, ocorreu o carnaval tradição de João Pessoa, com o desfile de diversos blocos históricos da cidade, entre eles, o Bloco das Virgens. Dias após o evento, Milanez fez críticas às músicas tocadas na festa, afirmando que estas faziam apologia ao tráfico de drogas e a facções criminosas.
Com a ascensão da temática, o Portal WSCOM iniciou um debate com duas personalidades que se mostraram inicialmente contra ao PLO e aos argumentos defendidos por seus apoiadores.
Tárcio Holanda Teixeira é produtor cultural, assistente social do Ministério Público da Paraíba (MPPB) e ativista antiproibicionista. Além de Vice-presidente da Federação PSOL/Rede. Já Marcos Henriques é vereador em João Pessoa, eleito pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e foi reeleito com 5.420 votos nas eleições de 2024.
Em protesto, Tárcio se recusa a chamar o PLO 04/2025, de Milanez Neto, de Lei Anti-Oruam. Para ele, “essa expressão está sendo usada para distorcer, tentar esconder o que realmente eles querem é tentar dificultar o verdadeiro debate que está posto. Eu prefiro chamar de Lei Pró-racismo e Pró-censura. É disso que vamos tratar aqui”.
Além disso, ele continuou afirmando que a lei “abre espaço para quando um artista fizer uma crítica contundente a uma autoridade pública ser censurado e não receber recursos públicos”.
Quem defende o PLO

A “Lei Anti-Oruam” é majoritariamente defendida por grupos da extrema direita no Brasil, grupo este que também é a favor da liberdade de expressão nas redes sociais e em manifestações políticas. Esse fato chamou a atenção de Tárcio, que apontou a falta de parcialidade na escolha do que deve sofrer represálias, e o que deve ser livre.
“É urgente acabar com a demagogia na política, com a mentira, com a distorção dos fatos, com a distorção da legislação para favorecer seus valores de direita e extrema direita. Recentemente o Governador de Santa Catarina, Jorginho Melo, censurou o acesso a conteúdo de Paulo Freire pela rede Wi-fi de várias escolas, ele segue a mesma linha ideológica de muitos, o projeto de Milanez Neto e Sargento Neto vai no mesmo sentido, assim como foi defendido por Ricardo Nunes e Kim Kataguiri. Essa é a turma que fala em Liberdade de Expressão, mas da expressão deles, não querem viver com as diferenças, querem usar a força para impor sua expressão”, declarou.
Órgãos moderadores
Mesmo que o projeto de lei ainda esteja em um período embrionário, algumas lacunas que foram deixaram começaram a resultar em questionamentos: Quem ficará responsável pela moderação do que é ou não considerado apologia?
O vereador Marcos Henriques desacredita que algum órgão possa discernir o que poderá se encaixar no que tange o PLO. “Não acredito que possa existir um organismo sensor capaz de dizer o que é certo e o que é errado, distinguindo o bem do mau. Isso seria, ao meu ver, maniqueísmo”, afirmou.
Tárcio compartilha da mesma visão, acrescentando o ponto de vista que, caso haja a criação de um setor responsável por essa avaliação, este possa retomar aos anos de censura que o Brasil vivenciou após a Ditadura Militar de 1964.
“De certo querem recriar o Departamento de Censura de Diversões Públicas, criado no período da Ditadura Militar. A lei, além de absurda, é ruim, frágil, não fala nem sobre essa questão da regulamentação. Eles sabem que é inconstitucional, estão mais jogando pra galera, confundindo, trazendo temas pesados, usando o medo, distorcendo a realidade e abrindo espaço para gerir os recursos da cultura como bem entendem”, pontuou.
De volta a Marcos, o vereador acredita que o papel regularizador deve ser atribuído apenas à Justiça brasileira. Se faz apologia à violência, ao crime? Isso não posso julgar. Acho que as instituições existem para cumprir esse papel de discernir o que deve ser contratado pelo poder público, para o bem da educação, e o que não deve”, disse.
Outros casos
Os entrevistados colocaram em discussão outros casos que também já entraram em debate. Tárcio, por exemplo, relembrou que, em 1997, os integrantes da banda carioca Planet Hemp foram presos por fazer apologia ao uso de maconha. No entanto, após uma semana presos, os músicos foram soltos.
“Se dependesse do Vereador e sua Lei Pró-racismo e Pró-censura jamais grupos como Planet Hemp e a Marcha da Maconha, a maioria negra e periférica, já que é quem sofre com a perseguição institucional, receberia recursos para sua arte”, destacou.
Marcos, por sua vez, trouxe um exemplo do mercado cultural internacional e dos tradicionais forrós de duplo sentido que fizeram e fazem sucesso, mas que também sofreram represálias.
“Análise, por exemplo, o conteúdo dos filmes de ação de Hollywood, trazem o tráfico, fazem apologia ao uso indiscriminado de armas, trazem a violência extrema em seus enredos, muitos enaltecem traficantes como herois, mostram o uso indiscriminado de drogas ilícitas, escancaram a barbárie. Nem por isso os censuramos, ao contrário, damos a eles recordes e mais recordes de bilheteria. Qual é a diferença?
“Sou adepto e defensor da cultura regional, do forró de raiz, dos ritmos nordestinos. Se você me perguntar se sou contra ou a favor da irreverência do forró de duplo sentido, que já foi muito criticado, eu te responderia: teve seu tempo, trouxe grandes contribuições para nossa cultura e, portanto, mereceu nossos aplausos”, concluiu.
Quem é atingido?
Para Tárcio, o projeto além de conter raízes preconceituosas, poderá ter apenas um único fim: o retrocesso cultural no Brasil.
“Esse povo é do mesmo bando que anos atrás fechou o Ministério da Cultura, mentiu sobre a Lei Rouanet. Criar algo assim, além de censura, é criar um gabinete de corrupção que vai negociar as escondidas para quem vai ou não os recursos da cultura”, declarou.
“Essa distinção é ilegal, dizendo de outra forma, é racismo, é atacar a periferia, é dizer previamente o que é e o que não é crime, focando na periferia, na negritude. Querem condenar previamente, proibir, censurar, isso sem usar os mecanismos existentes no Estado Democrático de Direito. Se algo é crime, devem buscar os caminhos legais, o Judiciário está aí para isso, não fazer apologia ao racismo, não tirar da cartola um órgão, que nem é citado na lei, com características da ditadura militar, para com seus valores dizer quem pode e quem não pode fazer cultura”, concluiu.
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