Chacina na Penha: mães denunciam execuções e violência policial durante a Operação Contenção no Rio

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

As imagens dos corpos enfileirados na Praça São Lucas, no Complexo da Penha, zona norte do Rio de Janeiro, chocaram o país e o mundo nesta quarta-feira (29). A cena — dezenas de homens mortos após a chamada Operação Contenção, deflagrada na terça (28) pelas polícias Civil e Militar — foi acompanhada por familiares das vítimas, em sua maioria mulheres. Entre gritos e lágrimas, mães, irmãs e esposas denunciaram o que classificam como uma chacina promovida pelo Estado.

“Meu filho se entregou, saiu algemado. E arrancaram o braço dele no lugar da algema”, relatou, inconsolável, a dona de casa Elieci Santana, de 58 anos. O filho dela, Fábio Francisco Santana, de 36, havia enviado mensagens informando que iria se render e compartilhando sua localização com a mãe.

O desespero de Elieci se repetia entre as famílias que, desde a madrugada, levavam corpos na caçamba de carros até a praça. Muitas mulheres relataram que os mortos já estavam rendidos quando foram executados.

A confeiteira Tauã Brito, mãe de Wellington, um dos mortos na operação, contou que chegou a pedir ajuda para resgatar feridos que ainda estavam vivos. “Ontem eu fui no Getúlio [Hospital Getúlio Vargas] pedir pra subirem com a gente, pra gente poder salvar esses meninos. Ninguém podia subir. Eles estavam vivos”, disse, emocionada.

Tauã desabafou ao afirmar que não acredita em punição. “Não vai dar em nada. Porque aqui tem um montão de gente chorando, mas lá fora tem um montão de gente aplaudindo. Isso que eles fizeram foi uma chacina”, lamentou.

“Sinais de execução e tortura”, diz advogado

O advogado Albino Pereira, que representa parte das famílias, afirmou que há indícios de execuções e tortura entre as vítimas. “Você não precisa nem ser perito para ver que tem marca de queimadura [na pele]. Os disparos foram feitos com a arma encostada. Chegou um corpo aqui sem cabeça. A cabeça chegou dentro de um saco, foi decapitado. Então isso aqui foi um extermínio”, denunciou.

Os corpos começaram a ser recolhidos pela Defesa Civil por volta das 8h30 e encaminhados para o Instituto Médico Legal (IML).

Críticas à letalidade policial

O fundador da ONG Rio de Paz, Antonio Carlos Costa, acompanhou as cenas na Penha e criticou a recorrência de operações violentas em comunidades pobres. “Não há uma invasão aqui do Estado na sua plenitude, trazendo saneamento básico, moradia digna, acesso à educação de qualidade, hospitais decentes. Por que historicamente a resposta tem que ser essa? E por que a sociedade não se revolta?”, questionou.

Especialistas em segurança pública também condenaram a ação. Para a professora Jacqueline Muniz, do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), a Operação Contenção foi “amadora” e uma “lambança político-operacional”.

O saldo da operação

De acordo com dados oficiais, a Operação Contenção deixou 119 mortos, sendo 115 civis e quatro policiais. O governo do estado classificou a ação como “um sucesso” e afirmou que as mortes ocorreram após confronto com criminosos. A Secretaria de Segurança Pública informou ainda que 113 pessoas foram presas.

Entretanto, movimentos populares e organizações de favelas consideraram a operação um massacre. Em nota conjunta, entidades afirmaram que “segurança não se faz com sangue” e cobraram do Ministério Público uma investigação independente.

A maior operação em 15 anos

Com o emprego de 2,5 mil agentes, a Operação Contenção é considerada a maior já realizada no Rio em uma década e meia. Os confrontos paralisaram a cidade: escolas e postos de saúde foram fechados, comércios suspenderam o atendimento e vias importantes ficaram interditadas.

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