Alberto Arcela

Publicitário e jornalista

Geral

Gente humilde


14/07/2024

Tem uma canção de Chico Buarque – na verdade uma parceria com Garoto e Vinícius de Moraes – que sempre que eu escuto me dá vontade de chorar. Não o choro da saudade, do ente que se foi ou do amor perdido.

Mas, o choro dos oprimidos, dos famintos e dos abandonados. O choro de quem chora pelos outros, pelos anônimos e pelos esquecidos, os sem lar e os sem teto, a gente humilde a que se refere a canção.

As pessoas, que pelo acaso e pelo destino, conheci e convivi por algum tempo nas minhas andanças em busca do tempo perdido de Proust que nunca cheguei a encontrar.

A gente das favelas e comunidades. Das vilas e dos becos, das passagens e dos alagados, pessoas que vivem por viver, quase sem sonhar, mas com muita fé no que virá.

Gente do campo na cidade, plantando esperança. Gente do morro e da periferia que acompanha a procissão e tem um crucifixo no peito. E gente que pede em oração o que falta na mesa, mas que se tiver algum oferece de coração a quem precisar mais do que eles.

Sei disso porque comi muitas vezes a sua comida e bebi com eles por um motivo qualquer. Por vezes um livramento, ou mesmo uma graça alcançada, um filho que ia nascer, uma filha que ia casar ou um simples batizado.

Hoje, a cidade cresceu muito e novos bairros surgiram. Mas, a geografia é a mesma e a mobília pouco mudou. Ainda tem a cadeira de balanço que faz mais barulho que balança e o sofá na sala bem de frente para a TV.

Já era assim quando cresci no Roger e em Tambiá, quando namorei na Ilha do Bispo, na beira do mangue e quando casei no Castelo Branco e nos Funcionários.

Para falar a verdade, tenho o maior orgulho de ter morado nesses lugares, e guardo as melhores lembranças deles e mais ainda desse povo que está sempre feliz com o pouco que a vida lhe reservou.

Acho que nem teria chegado onde cheguei, com um pouco de conhecimento e sabedoria que tenho hoje, se não tivesse escutado atentamente seus conselhos e praticado a sua solidariedade e amor pelo próximo.

Porque não basta ser gente. Tem de ser humilde como na canção. Tem de ir onde o povo está. Sofrer com ele e comer o seu pão, falar a sua língua e vivenciar a sua mais completa tradução, a sua identidade.

Foi por conta de tudo disso, que acordei hoje com uma saudade danada do tempo em que tinha ainda menos do que tenho agora, mas que era o bastante para ser feliz.

Tempos como os de criança de Ataulfo que lhe deram régua e compasso para compor e interpretar canções.

Ou os de Gonzaguinha que desceu o São Carlos para ficar com as respostas das crianças.

Tempos do calendário de folhinhas e da conversa jogada fora.

Do amor feito às pressas à luz da lua no quintal.

E da gente humilde que só dá mesmo vontade de chorar.


O Portal WSCOM não se responsabiliza pelo conteúdo opinativo publicado pelos seus colunistas e blogueiros.
Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.