Paraíba

Sem nenhuma comprovação de eficácia, diretor do Hospital Pedro I defende tratamento precoce com ‘kit covid’ em Campina Grande

Tito Lívio disse que os pacientes só usam se realmente quiserem. Entidades contestam tratamento com tais medicamentos.


28/03/2021

Portal WSCOM



O diretor do Hospital Municipal Pedro I, médico Tito Lívio, rebateu as críticas acerca da medicação administrada, de maneira precoce, nos pacientes contaminados com a covid-19, que buscam atendimento na unidade hospitalar, em Campina Grande. Ele disse que todo o tratamento precoce é prescrito pelos profissionais médicos e que os remédios só são administrados com a plena anuência dos pacientes.

“Nossos números comprovam o êxito na administração desses medicamentos, desde o começo da pandemia, há um ano. Os resultados em Campina Grande são os melhores da Paraíba. E lembro também que todo e qualquer tratamento, à base de medicamentos como a Ivermectina, Azitromicina e a Hidroxicloroquina, é prescrito pelos médicos e os pacientes só usam se realmente quiserem”, registra o diretor do Pedro I, ao dizer que não houve registro de complicações nos pacientes.

Ele relembrou ainda de uma declaração recente, dada pelo presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Mauro Ribeiro sobre o uso dessas medicações, a exemplo da Ivermectina e da Azitromicina. No entanto, apesar de manter parecer pela autonomia dos médicos na prescrição dos remédios, Mauro disse ao Estadão que profissionais que alardearem o kit covid como cura milagrosa, ou prescreverem coquetéis de medicamentos que possam causar danos à saúde, responderão sindicâncias nos conselhos regionais.

SEM EFICÁCIA COMPROVADA

 Reportagem do portal Aos Fatos, da última semana, aponta que apesar de municípios distribuírem hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina e vitamina D, entre outras substâncias, com a promessa de evitar o agravamento da pandemia, nenhum estudo científico sólido comprovou que tais drogas curam ou previnem a infecção.

Para que um remédio seja considerado eficaz contra uma doença, ele precisa passar por pesquisas com rigor metodológico e que podem atestar seus reais benefícios e riscos. Até o momento, nenhum dos remédios usados indiscriminadamente contra a Covid-19 que foi submetido a esse nível de escrutínio foi aprovado por cientistas para evitar ou tratar casos leves da doença.

HIDROXICLOROQUINA E AZITROMICINA FUNCIONAM CONTRA A COVID-19?

Não. A hidroxicloroquina, indicada para lúpus e malária, não funciona para prevenir a Covid-19 ou tratá-la em diferentes fases, seja sozinha ou combinada ao antibiótico azitromicina. Diversos experimentos já mostraram a sua falta de eficácia. A OMS (Organização Mundial da Saúde) e a Cochrane, entidade especializada em revisões de estudos, publicaram inclusive análises sobre os resultados dessas pesquisas.

A azitromicina também não apresentou resultados positivos em experimentos com humanos. Por ser um antibiótico, o medicamento pode ser usado para tratar vítimas de Covid-19 que tenham desenvolvido pneumonia bacteriana.

 A IVERMECTINA É EFICAZ CONTRA A INFECÇÃO?

Os estudos sobre a eficácia do vermífugo ivermectina no tratamento da Covid-19 ainda são iniciais e, por isso, ainda não é possível dizer que o medicamento é eficaz contra a infecção. A Merck, criadora da droga, alerta que ainda não existem evidências para permitir a indicação do antiparasitário no combate à doença.

A falta de evidências conclusivas não significa, no entanto, que você pode se tratar com o remédio por conta própria ou tomá-lo de forma preventiva. Entidades médicas como a FDA (Foods and Drugs Administration, órgão americano semelhante à Anvisa), a Agência Europeia de Medicamentos e a Sociedade Brasileira de Infectologia não recomendam sua administração regular porque grandes doses tornam a ivermectina tóxica para os seres humanos.

Reportagem publicada pelo Estadão reportou, por exemplo, casos de pessoas que tiveram hepatite medicamentosa após tomarem ivermectina e que agora estão na fila de um transplante de fígado.

 E OS OUTROS REMÉDIOS E VITAMINAS QUE SÃO USADOS COMO “TRATAMENTO PRECOCE”?

Alguns médicos receitam vitamina Cvitamina D, zinconitazoxanida e o anti-inflamatório colchicina com a falsa promessa de que evitam ou curam a Covid-19. Assim como acontece com a ivermectina, algumas dessas substâncias estão sendo estudadas como terapias potenciais contra a infecção. No entanto, nenhum deles é comprovadamente eficaz contra a Covid-19 e seu uso indiscriminado pode causar danos à saúde.

QUAIS OS RISCOS DO TRATAMENTO PRECOCE?

As bulas dos remédios que são adotados como tratamento precoce apontam quais são os efeitos colaterais causados pelas substâncias. A da hidroxicloroquina, por exemplo, recomenda cautela com pacientes com doenças hepáticas ou renais e com problemas cardíacos, gastrointestinais e neurológicos. A ivermectina, por sua vez, não deve ser usada por crianças menores de cinco anos ou com menos de 15 kg ou ainda por gestantes.

Esses efeitos, no entanto, foram reportados nos estudos que aprovaram os medicamentos para o uso que está recomendado em sua bula. Ou seja, em uma determinada dosagem. Tomar esses remédios de forma exagerada ou para finalidades não previstas na bula pode agravar essas reações adversas.

Em São Paulo, por exemplo, cinco pacientes que tinham tomado medicamentos sem comprovação contra a Covid-19, como a ivermectina, foram para a fila de transplante de fígado. Os seus exames mostram que o problema no órgão foi causado por reação medicamentosa.

Além de causar danos à saúde, o consumo indiscriminado de antibióticos — caso da azitromicina — também pode estimular o aparecimento de superbactérias resistentes aos medicamentos, o que dificultaria o tratamento de doenças no futuro.

POR QUE A EXPERIÊNCIA DE UMA PESSOA OU CIDADE NÃO SERVE COMO PROVA DE EFICÁCIA?

O potencial de um medicamento no tratamento ou prevenção de uma doença não pode ser medido com impressões pessoais ou especulações. Há relatos de pacientes que supostamente se curaram após tomar hidroxicloroquina e de pessoas que tomaram a droga e morreram. Portanto, para determinar se ela funciona ou não é necessário fazer pesquisas controladas como explicado acima.

Além disso, esse tipo de experimento pessoal não leva em conta todas as outras características dos pacientes: idade, presença ou não de comorbidades, gravidade da infecção, ou se ele está tomando outros medicamentos, por exemplo. Sem essas informações, não é possível saber se o remédio influenciou ou não a recuperação.

Por esses mesmos motivos, o fato de uma cidade ter identificado a redução do número de internações e óbitos por Covid-19 após a adoção de “tratamentos precoces” não prova que uma coisa tenha relação com a outra. Para estabelecer essa relação são necessários dados sólidos sobre a distribuição e o consumo do remédio. É preciso saber, por exemplo, quantas pessoas entre as que tomaram ou não a droga tiveram agravamento da doença. Em geral, os municípios sequer fazem esse tipo de acompanhamento.

As características das cidades também mudam a forma de disseminação do vírus, como a quantidade de idosos, de pessoas com comorbidades, a densidade populacional, o uso de transporte público, entre outras. Municípios com a maioria da população em área rural, por exemplo, já têm uma população que vive mais isolada do que os que contam com população mais concentrada em área urbana.

Além disso, há municípios que anunciaram o uso de medicamentos para “tratamento precoce” e que registraram agravamento da pandemia mesmo assim. Itajaí (SC), por exemplo, distribuiu ivermectina para a população, mas apresenta uma das maiores taxas de mortalidade entre as cidades de Santa Catarina com mais de 100 mil habitantes. Uberlândia (MG) distribuiu cloroquina mas continuou com o número de mortes por Covid-19 em crescimento.

 ALGUM MEDICAMENTO JÁ DEMONSTROU RESULTADO POSITIVO CONTRA A COVID-19?

Até o momento, apenas as vacinas desenvolvidas contra a infecção e aprovadas após uma série de testes em humanos são capazes de impedir a Covid-19.

Como dito anteriormente, a ciência não identificou nenhum remédio que possa evitar ou tratar precocemente a Covid-19. Foram descobertos apenas medicamentos que podem tratar complicações específicas da Covid-19 em pacientes já internados, mas não curar a doença.

O corticoide dexametasona, por exemplo, reduziu a mortalidade de pacientes com casos graves e críticos e que necessitam de ventilação mecânica. O remdesivir, por sua vez, diminuiu o tempo de recuperação de adultos hospitalizados e foi aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para ser usado nestes casos no Brasil. Nenhum desses dois remédios, no entanto, evita a Covid-19 ou a internação por conta da doença e, por isso, não podem ser usados de forma preventiva.

Uma boa maneira de conferir as últimas atualizações sobre as terapias que são estudadas contra a infecção é acompanhar o guia da OMS e o portal de evidências da Universidade de Oxford.



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