“As mulheres que denunciam, aquelas que o estado e a rede de proteção conseguem proteger, são as que não morrem. O índice de feminicídio para quem está inserida nessa política de proteção é zero”, essa foi a fala dita pela Secretária da Mulher e da Diversidade Humana da Paraíba, Lídia Moura. A frase mostra um paradoxo vivido no estado paraibano: enquanto a rede de proteção para mulheres avança, os feminicídios seguem crescendo.

Lídia Moura. Foto: Arquivo pessoal
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o estado registrou 26 feminicídios em 2024. O número se repete neste ano de 2025, foram 26 mulheres assassinadas até outubro, de acordo com levantamento do G1 Paraíba.
Conforme analisa a professora e pesquisadora Glória Rabay, a alta dos feminicídios na Paraíba reflete um fenômeno nacional, ligado ao machismo histórico e ao crescimento de movimentos que disseminam discursos misóginos nas redes sociais. “Há a ascensão de um discurso machista, misógino, de ódio às mulheres, uma rede masculinista que tem ocupado as redes sociais. Isso empodera os machistas”, explica a professora.

Glória Rabay. Foto: Arquivo pessoal
A jornalista e pesquisadora Mabel Dias, que estuda gênero e desinformação, destaca também o papel de grupos como Red Pill, MGTOW e outros movimentos machistas.“Eles propagam um discurso de exaltação da superioridade masculina e de depreciação das mulheres. Isso incentiva a violência”, relatou.

Mabel Dias. Foto: Arquivo pessoal
Alinhado a esses fatores, Rabay destaca a reação agressiva de homens diante da autonomia feminina. “Quando as mulheres decidem romper, eles se sentem legitimados a controlar, obrigar e até matar, porque acreditam que elas não têm o direito de escolher”, disse.
Rede de proteção cresce, mas municípios ainda falham
Glória ressalta que a articulação com movimentos sociais é um diferencial do estado. “A Paraíba tem uma rede formada por gestores públicos e representantes de movimentos sociais. É uma estrutura reconhecida nacionalmente”, afirma. Atualmente, a Paraíba possui as seguintes políticas públicas voltadas para as mulheres:
Patrulha Maria da Penha em quase 150 municípios;
Casa Abrigo em João Pessoa e acolhimento no Sertão;
Expansão planejada de novos centros de referência em 20 cidades do estado;
Programas como Empreender Mulher, que conta com cursos profissionalizantes, apoio jurídico e psicológico.
Apesar disso, a secretária Lídia reconhece que o avanço não é uniforme. Para ela, ainda faltam vários municípios do estado assumirem a responsabilidade e tratar essa política como essencial.
Denunciar ainda é difícil, por conta do medo, vergonha e dependência
Mesmo com serviços disponíveis, denunciar ainda é o maior desafio para as vítimas, conforme explica Glória. “As principais barreiras são a vergonha e as ligações afetivas. Muitas acreditam que ele vai mudar. Outras têm filhos pequenos e dependem economicamente do agressor”, expôs.
Além disso, Mabel Dias lembra que a sociedade ainda culpa a vítima.“Há quem diga ‘ruim com ele, pior sem ele’. Esse pensamento aprisiona a mulher e a impede de buscar ajuda.” A falta de informação, especialmente no interior e nas periferias, agrava o cenário. Em João Pessoa, Mabel critica inconsistências do aplicativo oficial da prefeitura. “Não há divulgação dos serviços. Existem informações incorretas, inclusive sobre o endereço do Centro de Referência. Isso dificulta o acesso.”
Canais de denúncia existem, mas só funcionam quando as mulheres conseguem pedir ajuda. A rede de atendimento dispõe dos números:
180 — Central Nacional de Atendimento à Mulher
190 — Polícia Militar
197 — Polícia Civil (denúncia anônima)
Apesar disso, Glória Rabay alerta que não basta ter acesso ao 180. “É preciso estar fortalecida emocionalmente e segura para denunciar o próprio marido, namorado ou padrasto”, disse. Lídia destaca também que o desafio é fazer com que as mulheres confiem na eficácia desses telefones para que consigam denunciar.
Educação é vista como saída para frear a violência
As especialistas apontam que campanhas permanentes e abordagens escolares são essenciais. Rabay defende a inclusão do debate nas escolas. “É preciso educar homens e mulheres para uma cultura de paz. A escola deve debater os direitos das mulheres como se estuda matemática ou português”, destaca.
Mabel Dias relata ações recentes com estudantes do 8º e 9º ano em escolas municipais de João Pessoa, em parceria com o projeto Conexão Maria da Penha da ONG Amazona.“Identificamos adolescentes vítimas de violência. Isso mostra como é importante estar presente nas escolas”, explicou.
Apesar disso, ela critica a ausência de campanhas públicas municipais. “Antes tínhamos cartazes nos ônibus, anúncios na TV, orientação. Isso desapareceu. A falta de divulgação compromete o acesso aos serviços”, alegou.
O que ainda falta para reduzir os feminicídios na Paraíba
As três entrevistadas têm uma opinião unânime: apesar dos avanços estaduais, ainda falta muito a ser feito no estado. Entre as ações consideradas urgentes por elas estão: garantir orçamento fixo para políticas de enfrentamento; cobrar que as prefeituras criem centros de referência; regular plataformas digitais para conter discursos misóginos.
Além disso, expandir delegacias da mulher no interior; capacitar continuamente agentes de segurança e Justiça; divulgar amplamente os serviços de acolhimento e transformar a educação de gênero em política permanente, são mais algumas ações consideradas essenciais por elas.
Para Rabay, o caminho é claro. “A violência doméstica não pode ser normalizada. É crime e precisa ser combatida por toda a sociedade.” Para Moura, a sobrevivência pode depender de um gesto simples. “Um telefonema pode evitar um feminicídio.”

