Paraíba

OPINIÃO: ‘Quem tem medo da transparência pública?’, por Éder Dantas

Éder Dantas é doutor em educação. Professor do Departamento de Psicopedagogia da UFPB e ex-Secretário de Transparência Pública de João Pessoa


02/11/2020

Éder Dantas



O professor Éder Dantas prossegue sua série de análises sobre os desafios da cidade e da administração pública municipal como contribuição ao debate acerca do pleito municipal. No seu artigo desta segunda-feira (2), o tema pautado é a transparência governamental e a discussão sobre o controle social dos gastos e políticas públicas.

Éder Dantas é Doutor em educação, professor do Centro de Educação da UFPB e ex-secretário de Transparência Pública de João Pessoa. Ele escreve semanalmente para o portal WSCOM.

Confira: 

Quem tem medo da transparência pública?

Todos os candidatos a prefeito nas eleições deste ano tem prometido realizar uma gestão honesta, eficiente e transparente. Nem todos os postulantes, todavia, apresentam propostas concretas sobre o tema da transparência governamental e poucos se aventuram em aprofundar a discussão sobre o controle social dos gastos públicos. Quando falamos em transparência estamos nos referindo a uma política de mobilizar os cidadãos-contribuintes para participar dos rumos da administração pública, a partir da divulgação ampla de todos os atos, à exceção do que é legalmente sigiloso.

A transparência pública no Brasil, antes da Lei nº12.527/2011, estava dispersa em um conjunto de ordenamentos jurídicos desconectados entre si. A Lei nº 101, de 4 de maio de 2000 (conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal)  e a Lei Complementar nº 131, de  27 de maio de 2009 (Lei Capiberibe), estabeleceram passos importantes para o acesso à informação no tocante à fiscalização dos gastos públicos. A Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação) representou o estabelecimento de um marco legal sem o qual não estaria assegurado o amplo acesso aos dados públicos na conjuntura atual.

Pelo texto, é dever do Estado garantir o direito de acesso à informação, que será franqueada, mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil  compreensão. Esse acesso precisa ser assegurado mediante um portal da transparência (principal instrumento da transparência ativa). Ainda, deve ser criado um serviço de informações ao cidadão, nos órgãos e entidades do poder público, em local com condições apropriadas para atender e orientar o cidadão quanto ao acesso a informações; informar sobre a tramitação de documentos nas suas respectivas unidades e protocolizar documentos e  requerimentos de acesso a informações (transparência passiva). Faz-se necessário, igualmente, oportunizar a realização de audiências ou consultas públicas e o incentivo à participação popular ou a outras formas de divulgação.

Em João Pessoa, o principal instrumento da transparência governamental é a Lei nº 12.645/2013 (Lei Municipal de Acesso à Informação Democrática), elaborada a partir dos primeiros meses daquele ano em um debate que envolveu diversos segmentos da sociedade. A proposta de lei foi aprovada pela Câmara Municipal, sendo sancionada pelo Prefeito Luciano Cartaxo já no segundo semestre de 2013. O órgão responsável por coordenar as ações de transparência governamental na capital é a Secretaria Executiva da Transparência Pública – SETRANSP, órgão vinculado à CGM. A SETRANSP tinha status de secretaria especial nos dois primeiros anos da gestão Cartaxo, sendo rebaixada à condição de pasta executiva em 2015.

João Pessoa avançou no quesito transparência pública, no tocante à oferta de informações sobre a administração municipal, especialmente quanto aos dados contidos no Portal da Transparência, como em relação às demandas solicitadas pelos cidadãos e cidadãs no Serviço de Informações ao Cidadão – SIC. DE acordo co relatório da SETRANSP, entre os assuntos mais procurados pelos pessoenses estão “licitações”, dados referentes à “pessoal” e “editais”. No tocante ao quesito “transparência das contas públicas” são inegáveis os avanços pelos quais João Pessoa passou, notadamente desde 2012/2013.

Apesar dos avanços ocorridos nos últimos anos em relação à transparência pública, tem ocorrido vicissitudes na política de transparência, em nível federal. A gestão Bolsonaro registra o pior índice da história na concessão de dados públicos pela Lei de Acesso à Informação no primeiro semestre de 2020. Além disso, O Supremo Tribunal Federal derrubou restrições impostas à Lei de Acesso à Informação (LAI) conforme previsto em uma medida provisória editada pelo Presidente da República. Com a decisão, fica mantida a obrigatoriedade do governo responder a todos os pedidos via LAI, mesmo durante a pandemia do coronavírus, dentro dos prazos estabelecidos pela Lei.

A organização não-governamental Transparência Brasil fez um levantamento dos retrocessos no acesso a informações públicas durante o governo Bolsonaro, indicando que, de 2019 até junho de 2020, foram ao menos 4 atos legais contra a transparência, a exemplo do Decreto 9.960 de 2019, que ampliou o grupo de agentes públicos autorizados a colocar informações públicas nos mais altos graus de sigilo: ultrassecreto (25 anos, renováveis por igual período) e secreto (15 anos), revogado após pressão da sociedade civil e possibilidade concreta de derrota no Congresso.

 

Qual é a transparência que João Pessoa precisa?

Quanto ao quesito Transparência pública e controle social, no que se refere à participação social efetiva, avançamos, mas há muito o que se melhorar. Ao acessar o Portal da Transparência Municipal de João Pessoa, por exemplo, um economista ou contador terá alguma facilidade em analisar os dados. O mesmo não ocorrerá com um cidadão comum, mesmo portando formação superior. Tratamos aqui de usabilidade da página e de um fácil manuseio dos dados, a fim de que possamos permitir que mais gente possa se interessar em fiscalizar.

É necessário se melhorar a encontrabilidade da informação, ou seja, deve-se aperfeiçoar a capacidade de uma informação ser encontrada em um ambiente informacional (notadamente na página oficial da prefeitura e no Portal da Transparência). Deve se adotar estratégias objetivando promover a descoberta das informações com vistas a uma melhor exploração de conteúdos por parte dos usuários.

É preciso também favorecer um maior controle social das obras públicas e dos programas governamentais, criando ferramentas tecnológicas para isso e capacitando as pessoas para fazerem o monitoramento. Quanto custa uma creche ou a reforma de uma Unidade da Família? É o tipo de informação que todo cidadão ativo gostaria de saber, a fim de poder comparar com obras em execução em sua comunidade. Assim como as pessoas acompanham as obras feitas em sua residência, elas devem ser estimuladas a acompanhar a execução das obras públicas.

Cumpre papel importante também o estabelecimento de uma maior transparência nas ações da Controladoria-Geral do Município – CGM (órgão ao qual a SETRANSP está vinculada) que acompanha e fiscaliza a execução orçamentária e financeira de todas as secretarias e faz análises e emite notas técnicas sobre a legalidade dos atos dos gestores. A Controladoria ainda monitora a execução das metas e programas da gestão e auxilia o Tribunal de Contas do Estado (TCE) e aos demais órgãos de controle externo no intuito de preservar o patrimônio público Municipal. Os estudos técnicos, relatórios e auditorias realizados pela CGM permanecem trancados a sete-chaves.

O monitoramento do cumprimento das metas e programas da gestão é uma ferramenta fundamental para se aferir a qualidade dos serviços oferecidos pelo município. Diversas cidades, a exemplo de Bogotá (Colômbia), Barcelona (Espanha) e São Paulo (Brasil) desenvolveram experiências significativas da adoção de Programas de indicadores e metas, com o objetivo de oferecer à sociedade civil indicadores de qualidade de vida e dos serviços ofertados aos munícipes. Um bom sistema de monitoramento pode oferecer informações para o funcionamento de um  Observatório Cidadão da cidade de João Pessoa, com o intuito de disponibilizar dados sociais, ambientais, econômicos, políticos e culturais sobre a cidade, subsidiando ações de controle social.

O prefeito, bem como os seus assessores mais diretos, como os secretários, precisa dar o exemplo no tocante ao funcionamento de seu gabinete e as ações que ele realiza no dia a dia. É preciso dar acesso ao público a respeito de dados como a quantidade de servidores (e quais) trabalham efetivamente no gabinete do chefe do executivo. Outra medida importante é divulgar diariamente a agenda de trabalho do alcaide-mor e dos secretários, para tornar públicos os encontros que ocorrem no horário de trabalho, muitas vezes, a serviço de interesses privados.

Um instrumento importante para a promoção da transparência municipal é o Conselho Municipal de Transparência Pública e Combate a Corrupção. Trata-se de um órgão colegiado de natureza consultiva vinculado à Secretaria da Transparência Pública (SETRANSP). O objetivo deste conselho é formular, debater e sugerir medidas de aperfeiçoamento dos métodos e sistemas de controle e incremento da transparência na administração pública municipal, bem como estratégias de combate à corrupção, à improbidade administrativa e à impunidade. É preciso se fortalecer este conselho, seja do ponto de vista da sua capacidade de fiscalização, como de proposição de iniciativas.

A atitude mais importante a ser tomada pelo novo governo será deixar de achar que divulgar informações é tarefa de um só órgão da administração municipal. A Secretaria da Transparência Pública ou o Serviço de Informação ao Cidadão só cumprirão sua missão a contento se o conjunto da administração (que produz as informações) estiver convencida de que a informação pertence ao público. Fazer uma gestão transparente é uma tarefa de todos e todas. A administração pública precisa trabalhar com uma visão holística. A nova gestão precisa avançar para a construção de um sistema integrado de transparência e controle social.

Dentro de uma visão de governança marcada pela idéia de transição ecológica para o Século XXI, urge articular os conceitos de sustentabilidade, gestão colaborativa e governo aberto como a base de uma nova forma de gerir a cidade, que incorpore uma nova agenda sócio-ambiental. Nessa agenda, se situa a construção de um novo Estado, que rompa com o paradigma atual (fundado nos interesses do capital financeiro) e que paute um novo modelo de desenvolvimento, que respeite as pessoas e os recursos naturais e que coloque a produção de riquezas a serviço da sociedade e não o contrário.

 

*Doutor em educação. Professor do Departamento de Psicopedagogia da UFPB. Ex-Secretário de Transparência Pública de João Pessoa.



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