UFPB 70 anos: crises, avanços e desafios
Éder Dantas*
Neste 02 de dezembro, a Universidade Federal da Paraíba – UFPB completa setenta anos. Nosso estado tem muito a comemorar. Não é possível se falar no desenvolvimento recente da terrinha sem ela.
Nossa maior universidade pública, formada por mais de 44 mil pessoas (dentre estudantes, docentes, servidores técnico-administrativos e terceirizados), contribui regularmente com a formação de milhares de jovens altamente qualificados para o mercado de trabalho e com a produção de conhecimento científico e tecnológico. Também contribui efetivamente com a economia do estado, pois o seu orçamento perde apenas para o governo paraibano e a Prefeitura de João Pessoa, com impacto na economia local. A instituição comemora seu aniversário repleta de desafios.
Na Paraíba, de início, o ensino superior remonta aos mosteiros e conventos, em um contexto em que os jesuítas eram os responsáveis pela formação colegial de portugueses e nativos, até sua expulsão do Brasil em 1759, ainda no Brasil colônia. As primeiras tentativas de instalar uma instituição de ensino superior no estado datam apenas do Império, no âmbito das discussões da Assembleia Geral Constituinte de 1823.
Somente em 1894, foi criado um seminário, ligado à diocese católica, com cursos superiores de filosofia e teologia, sendo o único curso superior à época no Estado da Paraíba.
Na Primeira República, houve tentativas de implantação do ensino superior no estado, com a criação da Universidade Popular, muito em moda na Europa. Em 1934, foi instalada a Escola de Agronomia da Nordeste – EAN, na cidade de Areia, na região do Brejo, em um contexto de criação de outras universidades pioneiras no país.
A expansão do ensino superior somente ganharia novo fôlego, efetivamente, a partir do final dos anos 1940/1950, no contexto do nacional-desenvolvimentismo e do Estado populista, quando foram instituídas várias faculdades, além de escolas isoladas, como a Faculdade de Ciências Econômicas, a Faculdade de Filosofia da Paraíba, a A Faculdade de Direito, as Faculdades de Medicina, de Odontologia e de Farmácia (1950). A Escola de Engenharia da Paraíba foi fundada no ano de 1952.
Em Campina Grande, foi criada a Escola Politécnica da Paraíba, em 1952 e a Faculdade Católica de Filosofia de Campina Grande, fundada pela Diocese daquela cidade, em 1954.
A Universidade Federal da Paraíba – UFPB foi instalada pela Lei Estadual 1.366, de 2 de dezembro de 1955, com o nome de Universidade da Paraíba, surgida com a unificação das faculdades isoladas já citadas. Sua federalização ocorreu em 1960, no governo do então presidente Juscelino Kubitschek, que expandiu o ensino superior, num cenário de modernização e industrialização da sociedade brasileira, decorrente de seu “Plano de Metas” expresso no slogan “50 anos em 5”.
Os anos 1950 e 1960 foram marcados por um contexto de guerra fria, de ideologia nacional-desenvolvimentista e de luta pelas chamadas “reformas de base”, com ênfase na reforma agrária, controle das remessas de lucro para o exterior, reforma universitária e combate ao analfabetismo. Na peça “O Auto dos 99%”, o Centro Popular de Cultura – CPC da União Nacional dos Estudantes – UNE denunciava o caráter elitista de nossas universidades, em que a maioria dos jovens não entrava. Como reação, forças conservadoras articularam (com o apoio do governo dos EUA) o golpe civil-militar de 1964 que derrubou o governo João Goulart, pôs fim às reformas de base e implantou um regime de opressão que durou 21 anos.
As Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) foram duramente atacadas no período autoritário, vivendo momentos de muita repressão a professores e estudantes e também de resistência. Entidades estudantis como o Diretório Central dos Estudantes – DCE e suas entidades de base sofreram intervenção. Foram assinados acordos entre o Ministério da Educação brasileiro (MEC) e a United States Agency for International Development (USAID), com nosso país adotando o modelo da universidade norte-americana e a implantação de uma reforma universitária voltada para o mercado. Nossa UFPB deixou as áreas centrais das cidades e adotou o modelo de campus universitário, longe da pressão social.
Apesar do autoritarismo, a instituição cresceu, especialmente no reitorado do professor Lynaldo Cavalcante, ganhando uma dimensão multicampi.
Na segunda metade dos anos 1970, com o início da crise do regime, os movimentos universitários começaram a se reorganizar. Em 1976, o DCE foi reconstruído, com a rearticulação das lutas estudantis, a exemplo da busca da anistia, por assistência estudantil e pela meia passagem no transporte coletivo. Neste mesmo contexto, professores e servidores técnico-administrativos começaram a organizar seus sindicatos na defesa da democracia e por suas pautas de reivindicações.
Os anos 1990 foram considerados os anos neoliberais, com políticas de redução do Estado e desregulamentação da economia. Os serviços públicos (incluindo as instituições federais de ensino superior) foram fortemente atacados por políticas de viés privatizante. Os campi da UFPB foram tomados pela luta por acesso ao ensino superior e por permanência, contra o ensino pago, pelo “Fora Sarney” e o movimento “Fora Collor”, dos “caras pintadas”. Durante os governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), a luta contra o neoliberalismo prosseguiu, em especial, dos docentes e técnicos. FHC deixou as universidades federais com o “pires na mão”.
Em 2002 a UFPB foi desmembrada, com a criação da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, uma demanda de segmentos econômicos e políticos desta cidade, reunindo os campi de Campina Grande, Patos, Sousa e Cajazeiras. A instituição sediada na capital se manteve, incorporando as unidades de Areia e Bananeiras.
Na pimeira década do século XXI, a UFPB começou a viver um período de crescimento, com a implantação do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI pelo governo Lula da Silva.
Com Lula, ocorreu a implantação de dezenas de novos cursos, a introdução das políticas de cotas e a ampliação das ações de assistência estudantil. A universidade cresce e muda seu perfil. Pesquisa encomendada pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) aponta que 70,2% dos estudantes das federais brasileiras são de baixa renda, com renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo por mês, muitos deles negros e pardos.
Em 2016, ocorreu o golpe midiático-parlamentar que destituiu a Presidenta Dilma Rousseff e pôs fim às políticas de expansão das IFES. Com o governo de Michel Temer, veio a emenda do “Teto de Gastos” e a retomada da agenda regressiva para a educação pública. As universidades estiveram fortemente presentes na resistência aos ataques e a UFPB não seria diferente.
No governo Jair Bolsonaro, a UFPB sofreu novos e duros ataques. Entre 2019 e 2022, as IFES perderam 14,4% de seu orçamento. A reitora eleita pela comunidade universitária, Terezinha Domiciano, não tomou posse. O presidente nomeou o menos votado, submisso à sua agenda. Foi um período de restrições à democracia interna e perseguições à quem discordava da política autoritária, ultraliberal e negacionista da ciência defendida pelo governo. Apesar disso, a comunidade da UFPB resistiu com protestos e manifestações.
A eleição do Governo Lula 3 trouxe muita esperança à comunidade universitária. O resultado da eleição para Reitor foi respeitado e novas políticas surgiram. Apesar de uma política universitária mais progressista, os avanços têm sido inferiores aos esperados, em virtude das restrições orçamentárias, decorrentes do arcabouço fiscal, sucedâneo da Lei do Teto de Gastos. A limitação financeira tem sido um forte limitador para o desenvolvimento das atividades-meio e atividades-fim das IFES. O Estado precisa resgatar sua capacidade de investimento e o setor de ciência e tecnologia é decisivo.
O cenário atual é de muitos desafios para a UFPB. Qual o papel da educação para o desenvolvimento nacional e regional? O que a sociedade brasileira quer das universidades federais? Qual o horizonte do atual governo federal para as IFES? O que a Paraíba projeta para a UFPB? São questões sobre as quais precisamos refletir, especialmente quando o mundo dá sinais de esgotamento dos atuais modelos de desenvolvimento, marcados pelo aumento da concentração da riqueza, a financeirização, destruição ambiental, as revoluções digitais e a superexploração do trabalho, a fome, a ascensão de projetos autoritários de extrema-direita, aumento do racismo e da xenofobia e enfraquecimento da democracia.
O mundo passa por transformações que exigem profunda reflexão e estudo sistematizado. O deslocamento do eixo de desenvolvimento do planeta dos EUA e Europa para a China e o oriente exigem um reposicionamento dos países e governos. Novos movimentos sociais trazem abordagens teóricas e filosóficas que cobram novos olhares da academia, a exemplo da emersão das chamadas epistemologias do sul, dos estudos sobre a decolonialidade e novos paradigmas ambientais que buscam preservar a vida no planeta Terra, ameaçada pela ganância dos capitalistas e omissão das autoridades.
A universidade está pronta para servir à sociedade paraibana e brasileira. Temas como desenvolvimento, ciência, tecnologia, inclusão social, direitos humanos e sociais, arte, diversidade e meio ambiente são alguns dos pontos em que nossa maior instituição acadêmica tem muita expertise, seja no ensino, na pesquisa ou na extensão, no exercício do pensamento crítico e condições de contribuir decisivamente na transformação da nossa realidade social e educacional.
Já está passando da hora de nossas elites políticas, econômicas e culturais, bem como nossa sociedade organizada, pensarem estrategicamente e refletirem sobre o papel de nossas instituições de ensino superior. Elas já contribuem muito, mas tem muito mais à oferecer como instrumentos do nosso desenvolvimento econômico, social e cultural.
Vida longa à Universidade Federal da Paraíba!
*Professor do Centro de Educação da UFPB.
