A cidade de Rio Tinto, no litoral norte da Paraíba, foi palco de um importante movimento em defesa de João Goulart por ocasião do Golpe de 1964. Por sediar uma fábrica têxtil considerada, por muito tempo, a maior do Nordeste brasileiro — desde sua fundação, em 1924 —, o município desenvolveu, ao longo das décadas, uma forte e organizada classe operária. No início da década de 1960, o Sindicato Têxtil de Rio Tinto era o maior do Estado, contando com mais de quatro mil associados.
A cidade-fábrica, propriedade da família Lundgren, de origem sueca, testemunhou um momento histórico singular: a decretação de uma greve geral no próprio dia do golpe civil-militar, 1º de abril de 1964, em apoio ao Presidente João Goulart. Desde as seis e meia da manhã, os trabalhadores bloquearam a entrada da cidade, posicionando-se em confronto direto com os patrões. Com a fábrica paralisada, os operários ocuparam as ruas e a sede do sindicato, promovendo discursos e passeatas na praça central. Um ato surpreendente de resistência ao golpe emergia em pleno interior paraibano.
Dois personagens tiveram papel de destaque no movimento: Antônio Fernandes, presidente do sindicato, e o juiz Hermilo Ximenes, indicado para a comarca por pessoas ligadas aos proprietários da fábrica. Antônio Fernandes, no dia do golpe, acumulava a presidência da entidade sindical com o cargo de prefeito constitucional, eleito em 1963 — um mandato que interrompia décadas de domínio político dos industriais. Seu governo, entretanto, durou apenas três meses, sendo ele afastado nos primeiros atos da ditadura.
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O juiz Hermilo Ximenes, por sua vez, logo demonstrou que não se submeteria à influência dos Lundgren. Ao ser informado de que não precisaria pagar o aluguel da casa onde passaria a residir, recusou o benefício e fez o pagamento em cartório. Esse gesto simbolizava sua disposição de atuar com independência e defender os trabalhadores. No dia 1º de abril, para evitar envolvimento mais direto no movimento, decidiu deixar a cidade.
Às dez e meia da manhã, uma guarnição da Polícia Militar, comandada pelo coronel Luís de Barros, chegou ao município. Antônio Fernandes foi intimado a prestar depoimento, mas se recusou, o que levou o coronel a determinar a interdição de todo o quarteirão e a retirada dos trabalhadores que ocupavam a sede sindical. Antônio Fernandes permaneceu no interior do prédio. O coronel só retornou ao local por volta das 18 horas, ordenando o fechamento da sede — mas, àquela altura, o líder sindical já havia deixado o local. A ordem foi restabelecida. O movimento sindical paraibano — assim como o brasileiro — não tinha forças para resistir ao golpe militar.
Poucos dias depois, Antônio Fernandes fugiu, entregando-se ao Exército ainda no início de abril. Permaneceu preso por seis meses no 15º Regimento de Infantaria, em João Pessoa. Sua ficha no DOPS destacava sua postura oposicionista à fábrica e o classificava como comunista. O juiz Hermilo Ximenes foi seu companheiro de cela.
A paralisação ocorrida em 1º de abril de 1964 constitui um dos mais emblemáticos movimentos operários de resistência imediata ao golpe no Nordeste do Brasil.

