Alek Maracajá é cientista de dados, presidente da ABRADi-PB, professor da ESPM e autor do livro Brasil Digital — Nas Entrelinhas da Polarização Política, semifinalista do Prêmio Jabuti Acadêmico.
Imagine um líder carismático, inflamado, que transforma frustrações em esperança e ódio em combustível político. Alguém que domina a retórica, identifica inimigos comuns e promete soluções fáceis para problemas complexos. Um líder capaz de provocar medo, raiva e fé em uma mesma frase, sabendo que a emoção sempre vence a razão.
Agora imagine que esse líder entenda como ninguém o poder das imagens, do espetáculo e da repetição. Que tenha seguidores dispostos a agir no mesmo instante em que for convocado. E que, em vez de depender de jornais ou rádios, tenha em mãos Instagram, TikTok, YouTube, X e algoritmos capazes de mapear cada emoção da população.
Essa figura não é ficção. Ela existiu. Foi Adolf Hitler.
Nos anos 1930 e 1940, ele construiu seu poder com as ferramentas de comunicação da época: rádios subsidiados pelo Estado, jornais alinhados, cinema como propaganda e grandes eventos projetados para transmitir uma sensação de grandeza e inevitabilidade. Era um processo lento, local, limitado pelas fronteiras da tecnologia.
Hoje, essas barreiras desapareceram. O que levava meses para moldar a opinião pública na época poderia levar dias ou até horas em um mundo hiperconectado.
No passado, Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista, decidia o que o povo podia ouvir. Hoje, essa função é substituída pelos algoritmos, que distribuem mensagens em escala global e atingem com precisão os públicos mais vulneráveis.
Muita gente fala de algoritmo, mas poucos realmente sabem o que ele é. Em termos simples, algoritmo é um conjunto de instruções que decide o que aparece ou não na sua tela. Ele observa o que você curte, compartilha, assiste ou ignora, e a partir daí escolhe o que mostrar em seguida. É como um editor invisível que organiza o mundo para você só que sem ética, sem intenção política declarada, guiado apenas por métricas de atenção. O resultado é que o feed não mostra a realidade: mostra a realidade que mais prende você.
E é exatamente aí que está o perigo. O sistema foi desenhado para premiar o radicalismo. Um único post pode alcançar milhões em minutos, algo que Hitler só conseguiria depois de meses de mobilização. Se ele precisou de Goebbels para manipular uma nação, o Hitler digital teria um aliado ainda mais poderoso: o algoritmo.
O perigo não é imaginar Hitler com Wi-Fi. É perceber que qualquer líder extremista de hoje já tem esse arsenal em mãos. O passado mostrou do que um regime autoritário é capaz com ferramentas limitadas. O presente mostra que, com ferramentas ilimitadas, a história pode se repetir de forma ainda mais rápida, mais intensa e muito mais difícil de conter.
E a pergunta que fica é direta: estamos preparados para enfrentar um Hitler digital?