A inconsistência da política de Trump de defesa do dólar

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O presidente dos EUA tem implementado uma política de estabelecer tarifas contra importações de vários países, sendo tradicionais aliados ou não. A utilização dessas tarifas de importação contra diversos países é uma estratégia multifacetada que vai muito além do simples comércio, mas tem uma inconsistência enorme que pode levar a derrocada de seu maior trunfo, que é o fato do comercio mundial ser feito em dólares.  

Recentemente o congresso americano aprovou uma nova lei que diminuiu a tributação para empresas e indivíduos com perfil de renda elevado com esperança de aumentar a atividade econômica interna. Porém, esta lei levará inexoravelmente a diminuição da arrecadação tributária americana. Para compensar essas perdas, se impõe as tarifas, que funcionam como impostos sobre importações, gerando recursos para o Tesouro dos EUA. Desde abril de 2025, a receita de tarifas disparou para mais de $100 bilhões por ano, ajudando a compensar déficits fiscais e financiar cortes tributários.

Segundo Trump, aumentar as tarifas protegeria indústrias domésticas, como aço, automóveis e semicondutores, reduzindo a dependência de produtos importados e incentivando fábricas a retornarem aos EUA. 

O consenso de Washington implicou na transferência de muitas fábricas dos EUA para países com mão de obra barata, notadamente a China. O estabelecimento de tarifas também é visto como a correção de distorções causadas por subsídios estrangeiros, manipulação cambial ou barreiras não tarifárias que prejudicam a economia americana. As tarifas corrigiriam essas distorções. 

Recentemente, depois da reunião dos países que compõe os BRICS, as tarifas também passaram a ser vistas como a preservação da hegemonia do dólar. Em discursos, Trump chegou a dizer que países que abandonarem o uso do dólar em comércio internacional seriam alvo de tarifas de 100 % como estratégia para proteger a supremacia monetária dos EUA

Neste ponto é que a política de Trump apresenta inconsistência. Em conversa ontem, meu leitor ranzinza que mora no Bessa deixou isto bem claro. Até este momento, nenhum analista econômico se atentou para esta inconsistência, mas meu leitor ranzinza percebeu. 

O dólar é a moeda de transação e reserva de valor porque os EUA é, do ponto de vista monetário, devedor líquido do mundo. Quando um país exporta para os EUA, o pagamento é feito em dólar. O exportador leva os dólares recebidos ao banco central de seu país, ou a uma instituição autorizada como bancos comerciais ou corretoras, e vendem os dólares no mercado de câmbio, recebendo em troca a moeda interna. Os dólares comprados ficam de posse dos bancos centrais como reserva para eventuais operações futuras. O dólar neste sentido funciona como um título da dívida americana de enorme liquidez, ou seja, é aceita em troca pelo valor de face dele, sem nenhum desconto.  

A China não consegue impor sua moeda como meio de troca porque ela vende os produtos em troca de moeda e, assim, quem compra não tem como ter a moeda chinesa como reserva de valor. A China é credora monetária líquida do mundo. Sua riqueza é medida em dólares e não em sua moeda. Os bancos centrais no mundo não aceitam o yuan como reserva de valor porque quando vendem para a China recebem em dolares. 

A contrapartida dos EUA serem devedores monetários é que ele é um credor líquido de produtos, ou seja, de valores reais. Ele compra, as mercadorias circulam em sua economia, a competição pela venda aumenta, os preços caem, o poder de compra da renda é elevado e a sociedade desfruta de maiores níveis de bem-estar social. Por isso, ser devedora líquida monetária é o sonho de toda economia do mundo e é justamente a grande vantagem da economia americana, pois ela emite o dólar. 

As políticas de tarifas de Trump podem trazer as fábricas de volta ao território americano, fazer dele um credor monetário líquido do mundo solapando o dólar como reserva de valor, pois a economia americana poderá ser uma nova China e yuan, moeda da China, pode se a nova moeda de reserva do mundo. 

Como disse o prêmio Nobel de economia, Joseph Stiglitz, as políticas de tarifas de Trump não tem teoria econômica sólida que a justifique.  Meu leitor do Bessa é chato, mas entende muito de teoria macroeconômica, embora não goste de ler filosofia.

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