Essa música de grande sucesso na interpretação de Fágner foi composta por Michael Sullivan e Paulo Massadas, em 1994. “Deslizes” narra o desabafo de alguém apaixonado que vive uma relação proibida, são amantes. Encontram-se ocasionalmente porque para ambos há impedimentos que permitam abertamente construirem uma história de amor.
“Não sei porque insisto tanto em te querer/se você sempre faz de mim o que bem quer/se ao teu lado sei tão pouco de você/é pelos outros que eu sei quem você é”. O “eu lírico” manifesta um certo inconformismo com essa situação e se questiona porque persiste nesse envolvimento sentimental. Ela, sabendo disso, não se preocupa em desagradá-lo com atitudes impróprias para quem ama, porque sabe que ele não a deixará por nada. Como não vivem uma vida em comum, cujos encontros são circunstanciais, ele tem dificuldade em saber mais a respeito dela. As informações vêm através de outras pessoas, pelas quais está sempre buscando notícias quando estão distantes.
“Eu sei de tudo, com quem andas, aonde vais/mas eu disfarço meu ciúme mesmo assim/pois aprendi que o meu silêncio vale mais/e desse jeito eu vou trazer você pra mim”. O personagem que canta a música diz acompanhar cada passo de sua amada, os locais em que freqüenta e as companhias escolhidas. No entanto, procura esconder o ciúme que sente na convicção de que só assim manterá vivo esse relacionamento oculto. Não falando nada evita discussões que possam levar a um rompimento.
“E como prêmio eu recebo o teu abraço/subornando o meu desejo tão antigo/e fecho os olhos para todos os teus passos/me enganando só assim somos amigos”. Nessa estrofe o “eu lírico” deixa claro que é inteiramente impossível exigir juras de fidelidade da pessoa que ama. Nessas condições lhe resta permanecer cego ao que ela possa estar fazendo em desrespeito aos seus sentimentos. Vale mais receber o abraço de carinho, ainda que momentaneamente. As condições obrigam ele aceitar essa estranha convivência amorosa, mesmo com aquela sensação dolorosa de estar sendo enganado.
“Por quantas vezes me dá raiva te querer/em concordar com tudo que você me faz/já fiz de tudo pra tentar te esquecer/falta coragem pra dizer que nunca mais”. Foram inúmeras as oportunidades em que ele próprio se censurou e ficava com raiva de si mesmo por teimar nessa relação. Não consegue compreender porque não reage, admite pacificamente tudo o que ela faz em contrário ao seu querer. Essa consciência já lhe estimulou a intenção de afastar-se, esquecê-la, mas percebe que falta coragem para fazer isso.
“Nós somos cúmplices, nós dois somos culpados/no mesmo instante em que teu corpo toca o meu/já não existe nem o certo, nem o errado/só o amor que por encanto aconteceu”. Entende que há reciprocidade nessa culpa de viverem um relacionamento um tanto esquisito. Nos instantes em que se entregam aos prazeres carnais, não se importam em fazer julgamento do que seja certo ou errado. É quando chegam a conclusão que, de uma forma invulgar, queiram ou não, o amor aconteceu.
“E é só assim que eu perdôo teus deslizes/e é assim o nosso jeito de viver/e em outros braços tu resolves tuas crises/em outras bocas não consigo te esquecer”. Marcado pela paixão ele oferece sempre o seu perdão para os desvios de comportamento da sua amada, repetidos com tanta freqüência. Afinal de contas sabe que não pode haver outro jeito de se amarem. Enquanto ela supera as crises de ausência nos braços de outros, ele não tem capacidade para fazer o mesmo agindo de igual modo, beijando outras bocas.
• Integra a série de crônicas “PENSANDO ATRAVÉS DA MÚSICA”.
