Paulinho Moska e Nilo Roméro, em 1997, compuseram uma música cuja letra estimula a reflexão sobre a vida, a forma como queremos projetá-la de acordo com nossos sonhos e ideais. “A seta e o alvo” dá ênfase às contradições entre duas pessoas que se gostam, o que na verdade representa a individualidade de pensamentos. Cada ser humano tem o seu jeito próprio de ver e agir, conforme sua consciência e entendimento. Uns são reféns do que planejam, outros se deixam levar pelo destino.
“Eu falo de amor à vida,/Você de medo da morte./Eu falo da força do acaso/E você de azar ou sorte”. O “eu lírico” diz que enquanto ele considera importante viver, aproveitando todas as oportunidades que lhe são oferecidas, a sua companheira se deprime ante a expectativa de que um dia vai morrer, como se isso não fosse uma lei natural da vida. Ele acredita que o tempo nos apresenta os acasos, as circunstâncias que nos surpreendem e determinam nosso caminhar em frente. Ela entende que tudo que acontece tem a marca da sorte ou do azar, então classifica as ocorrências na conformidade das adversidades e das venturas.
“Eu ando num labirinto/E você numa estrada em linha reta/Te chamo pra festa,/Mas você só quer atingir sua meta”. Ele afirma que procura descobrir os novos caminhos percorrendo labirintos, tentando encontrar as opções que o farão chegar onde quer. Ela, no entanto, prefere seguir em linha reta, com um alvo predeterminado, numa direção única, sem admitir atalhos. Quando ele decide ir ao lazer, ela decide manter o foco em metas estabelecidas, e em hipótese alguma se concede o direito de abdicar da sua programação.
“Sua meta é a seta no alvo/Mas o alvo, na certa, não te espera”. Adverte sua amada de que nem sempre o alvo que se deseja alcançar em determinado instante é o mesmo depois. O próprio tempo se encarrega de mexer e modificá-lo, então a seta tem que ser redirecionada. Por isso não adianta ser inflexível no estabelecimento de metas, elas não podem ser imutáveis.
“Eu olho pro infinito/E você de óculos escuros/Eu digo: “Te amo!”/E você só acredita quando eu juro”. Continua destacando as diferenças entre os dois. Ele olha para frente, na claridade. Ela insiste em ter dificuldade no enxergar a vida em toda a sua beleza. Suas declarações de amor feitas espontaneamente só são acreditadas mediante juramento.
“Eu lanço minha alma no espaço/Você pisa os pés na terra/eu experimento o futuro/Você só lamenta não ser o que era”. Ele vivendo nos sonhos; ela “com os pés no chão”, pondo fé apenas no que é real, sem se deixar levar pelas fantasias construídas pela imaginação. O amanhã é um laboratório de experiência para ele. Ela fica lamentando o que deixou de fazer, não tendo realizado as conquistas que almejava.
“Eu grito por liberdade/Você deixa a porta se fechar/Eu quero saber a verdade/E você se preocupa em não se machucar”. Mantem-se registrando as formas diferentes de comportamento. Ele anseia por ser livre, sem amarras, sem barreiras no enfrentamento do cotidiano. Ela favorece o isolamento, não abre a porta para o novo, não se liberta das regras e dos paradigmas. Ele não tem medo de conhecer a verdade, mas ela fica com receio de sofrer com o que possa acontecer.
“Eu corro todos os riscos/Você diz que não tem mais vontade/Eu me ofereço inteiro/E você se satisfaz com metade”. O “eu lírico” não pára de elencar as dessemelhanças entre eles dois. Um se arroja correndo riscos, o outro desiste na iminência de possíveis dificuldades. Ele se entrega de corpo e alma em tudo o que faz. Ela se acomoda e se contenta com qualquer coisa.
“Então me diz qual é a graça/De já saber o fim da estrada/Quando se parte rumo ao nada?”. Levanta o questionamento sobre o interesse em “saber o fim da estrada”, até porque na vida a estrada só tem fim com a morte. Sempre que uma meta é alcançada novos rumos precisam ser percorridos. Não sabemos o futuro, então estamos sempre partindo em direção ao nada, ao desconhecido.
• Integra a série de crônicas “PENSANDO ATRAVÉS DA MÚSICA”.
