Um ano antes da sua morte, Cartola presenteou Elis Regina com um samba-canção intitulado “Basta de clamares inocência”, gravado em 1979. Em 2008, por ocasião das comemorações do centenário do consagrado compositor brasileiro, Maria Rita, num show realizado no Canecão, interpretou, com personalidade própria, essa belíssima música do nosso cancioneiro, numa homenagem também à sua mãe.
“Basta de clamares inocência/Eu sei todo o mal que a mim você fez/Você desconhece consciência/Só deseja o mal a quem o bem te fez”. O personagem que canta a música manifesta toda a sua mágoa com a mulher a quem dedicou por algum tempo o seu amor. Rejeita o reatamento da relação por entender que não quer mais sofrer. Não adianta vir proclamando inocência, quando sabe o quanto de mal ela lhe fez. O bem que sempre procurou fazer foi retribuído com um tratamento de desprezo, desconsideração, desafetividade. Nunca teve consciência das dores no coração que provocou com suas atitudes.
“Basta, não ajoelhes, vá embora/Se estás arrependida, vê se chora”. Incomoda vê-la genuflexa pedindo-lhe perdão. Mas isso não mais o comove, nem o faz mudar de decisão; não vai restabelecer o envolvimento amoroso. Pede que siga sem ele seu novo caminho. E, se verdadeiro for, esse arrependimento que o expresse com choro. Talvez assim se possa dar crédito a esse sentimento de remorso pelo que fez.
“Quando você partiu, me disse: “chora”!”, não chorei/Caprichosamente fui esquecendo que te amei”. Ainda guarda na memória o instante em que ela se despediu pela última vez. Numa frieza, que o magoou profundamente, mandou que ele chorasse na sua partida. Com esforço não chorou, não lhe deu oportunidade de vê-lo sofrendo. O tempo foi apagando todo o pensamento, e toda ideia, de que um dia a amou profundamente. Como diz o velho ditado “o tempo é senhor da razão”.
“Hoje me encontras tão alegre e diferente/Jesus não castiga o filho que está inocente”. A tristeza foi jogada para trás. Com certeza ela se surpreende em vê-lo assim tão diferente, vivendo na paz e na alegria. Afinal de contas, fica provado que o castigo divino não vem para as pessoas inocentes. O mal que aqui se faz, aqui se paga. Chegou a vez dela sofrer por amor.
• Integra a série de crônicas “PENSANDO ATRAVÉS DA MÚSICA”
