“Sapato velho”

Paulinho Tapajós colocou letra na música composta, em parceria, por Mú Carvalho e Cláudio Nucci, em 1981, no dia em que recebeu a notícia da morte de sua avó. Segundo ele, tudo foi escrito espontaneamente, sem a preocupação com a própria construção poética. Nesse sentimento de pesar pelo falecimento de sua avó faz reminiscências de sua vida na infância e do seu momento de maturidade. Foi gravada originalmente pelo Quarteto em Cy, do qual fazia parte sua irmã Dorinha. Depois alcançou enorme sucesso com o grupo carioca “Roupa Nova”.

“Você lembra, lembra/Daquele tempo/Eu tinha estrela nos olhos/Um jeito de herói/Era mais forte e veloz/Que qualquer mocinho de cowboy”. Paulinho parece querer convidar sua avó, que jazia morta naquele dia, para relembrar o tempo em que ele criança vivia sonhando, com os olhos brilhando na esperança do amanhã. Uma época em que se sentia forte, brincando de herói, mais veloz do que os mocinhos dos filmes de faroeste.

“Você lembra, lembra/Eu costumava andar/Bem mais de mil léguas/Pra poder buscar/Flores de maio azuis/E os seus cabelos enfeitar”. Faz referências a suas atitudes da juventude, quando não se cansava indo a lugares distantes com o objetivo de apanhar “flores azuis” para adornarem os cabelos de sua avó, numa demonstração do seu carinho por ela.

“Água da fonte/Cansei de beber/Pra não envelhecer”. Deixou de beber a água da fonte para que pudesse ganhar o amadurecimento bebendo a sabedoria também de outras origens. Embora, sabendo que a fonte familiar é a primeira na educação de qualquer pessoa, ninguém deve envelhecer orientando a sua vida na recepção unicamente dos seus ensinamentos. O mundo tem muito também a nos oferecer como experiência de vida.

“Como quisesse/Roubar da manhã/Um lindo por do sol”. Nesse adorno nos cabelos da sua avó, ele queria prestar-lhe reverência, como se o nascer do sol dependesse dessa imagem.

“Hoje, não colho mais/As flores de maio/Nem sou mais veloz/Como os heróis/É talvez eu seja simplesmente/Como um sapato velho/Mas ainda sirvo/Se você quiser/Basta você me calçar/Que eu aqueço o frio/Dos seus pés”. O tempo passou, e ele vê que já não vai mais colher as flores de maio, nem é mais o jovem que pousava de herói. Usa a metáfora do sapato velho para dizer que amadureceu. Entretanto, apesar da idade, ele continua sendo aquele neto que quer lhe dedicar atenção, carinho, apoio, como fazia outrora. Se ela quisesse, o que é uma força de expressão, pois com sua morte se tornaria impossível, estaria pronto para “aquecer os seus pés”, ser-lhe útil no que pudesse. Na verdade é uma homenagem póstuma, uma declaração de amor por sua ancestral que acabara de desaparecer da sua convivência.

• Integra a série de crônicas “PENSANDO ATRAVÉS DA MÚSICA”.

Mais Posts

Tem certeza de que deseja desbloquear esta publicação?
Desbloquear esquerda : 0
Tem certeza de que deseja cancelar a assinatura?
Controle sua privacidade
Nosso site utiliza cookies para melhorar a navegação. Política de PrivacidadeTermos de Uso