Adriana Calcanhoto na música “Mentiras”, que faz parte do seu álbum “Senhas”, lançado em 1992, interpreta a revolta de uma mulher que ao se sentir abandonada faz de tudo para chamar a atenção do seu antigo parceiro, na tentativa de assim reconquistá-lo.
“Nada ficou no lugar/Eu quero quebrar essas xícaras/Eu vou enganar o diabo/Eu quero acordar sua família”. Inconformada com o desprezo daquele a quem ama, a personagem da música resolve “virar o mundo de cabeça pra baixo”, fazer loucuras na busca da reconciliação. Não quer deixar nada, do que possa ter sido construído juntos, no lugar. O querer quebrar as xícaras tem a intenção de mostrar que os utensílios domésticos da convivência íntima desse relacionamento não podem permanecer inteiros, porque são lembranças da convivência. Pretende até “enganar o diabo”, não tem receio de enfrentar as maldades dos que contribuíram para a sua separação. Vai gritar, vai “acordar sua família”, divulgar a sua dor em alto e bom som.
“Eu vou escrever no seu muro/E violentar o seu rosto/Eu quero roubar no seu jogo/Eu já arranhei os seus discos”. Vai colocar suas mensagens no muro para que todos tomem conhecimento. Contrariar suas preferências, só para demonstrar que tem independência no que quer e no que pensa, como se assim estivesse se vingando do abandono a que foi submetida. Deseja quebrar as regras do jogo estabelecidas por ele, inutilizar os discos de sua predileção.
“Que é pra ver se você volta/Que é pra ver se você vem/Que é pra ver se você olha pra mim”. Tudo isso porque acha que é a forma de fazê-lo retornar aos seus braços, a partir de uma provocação. A expectativa de um retorno ao custo de um tratamento de choque. A vontade de novamente ter seu amor.
“Nada ficou no lugar/Eu quero entregar suas mentiras/Eu vou invadir sua alma/Queria falar sua língua/Eu vou publicar seus segredos”. E continua no seu propósito de desmanchar tudo o que foi edificado na relação que se desfez. Não vai preservar sequer as confidências trocadas enquanto eram amantes. A postura de quem se apresenta como professor será atacada com a mesma linguagem que costuma usar. Não se inibirá em desvendar os segredos que lhe foram confiados.
“Eu vou mergulhar sua guia/Eu vou derramar nos seus planos/O resto da minha alegria”. Vai deixá-lo sem orientação, sem norte, sem saber para onde ir. Mas gostaria que todas essas projeções de atitudes fossem mentiras, para que então possa incluir nos seus planos os que lhe resta de alegria, a ansiedade de que o romance seja revivido.
• Integra a série de crônicas “PENSANDO ATRAVÉS DA MÚSICA”.