Um dos capítulos do romance “Jubiabá”, de Jorge Amado, fala da aflição que as mulheres dos pescadores vivenciavam na espera noturna e diária por seus maridos que estavam no mar. À beira do cais essas mulheres usavam lanternas para que seus parceiros pudessem encontrar o caminho certo da volta. Mas sempre a espera torturante da incerteza quanto à volta do companheiro. Herbert Viana se valeu dessa narrativa de Jorge Amado para compor sua música “Lanterna dos Afogados”, lançada em 1989, associando à expectativa que vivemos ao longo de nossa vida, sempre no desconhecimento, um tanto temeroso, do que possa acontecer amanhã. O personagem na solidão, espera que surja uma luz que represente a saída daquela situação.
“Quando tá escuro/ e ninguém te ouve/quando chega a noite/ E você pode chorar”. A escuridão deixa sempre a pessoa solitária vivendo uma experiência assustadora, a procura da luz que permita se sentir seguro para caminhar ou se proteger dos perigos. Nesse sentimento de medo imagina que ninguém possa ouvi-lo e vir em seu socorro. Ao chegar à noite, sem companhia, o temor do amanhã provoca uma sensação de desamparo que produz o pranto.
“Há uma luz no túnel dos desesperados/há um cais de porto para quem quer chegar”. Assim como, as mulheres dos pescadores preocupadas com o regresso deles, o ser humano que se abate na noite escura com a dúvida do que possa vir quando o sol raiar, no auge do seu desespero, não percebe que “há uma luz no túnel”, que nenhuma treva é permanente, haverá sempre uma claridade que fará com que ela desapareça. Novamente usa a imagem romanceada do escritor baiano, para metaforicamente colocar que existirá, em qualquer circunstância, um porto seguro onde possa ancorar e se livrar da condição de náufrago na própria vida, “há um cais de porto para quem quer chegar”. Só não alcança esse porto seguro, esse ancoradouro, quem desiste de chegar.
“Eu tô na lanterna dos afogados/eu tô te esperando/vê se não vai demorar”. A vida nos oferece a cada dia “a lanterna dos afogados” e espera que nunca demoremos a visualizá-la. Ela é a orientação para que saiamos do “afogamento” a que circunstancialmente possamos estar submetidos. A “lanterna dos afogados” pode ser compreendida como a “mão de Deus” que vem nos salvar nas dificuldades da vida.
“Uma noite longa para uma vida curta/mas já não me importa, basta poder te ajudar”. Toda noite é longa quando ela é atemorizante, ao mesmo tempo em que achamos curta a vida nas oportunidades em que a vivenciamos na paz e na alegria. Mas, para Deus, isso não tem a menor importância, o que vale é a ajuda oferecida.
“E são tantas marcas que já fazem parte/do que eu sei agora, mas ainda sei me virar”. Viver é acumular experiências, boas ou más. Todavia elas deixam marcas que terminam fazendo parte da construção do nosso conhecimento, e isso é que permitirá enxergarmos os caminhos a trilhar, “ainda sei me virar”, sem desprezarmos “a identificação da “lanterna dos afogados” que guiará o rumo a seguir sem maiores riscos”.
• Integra a série de crônicas “PENSANDO ATRAVÉS DA MÚSICA”.
