Quando a “bossa nova” surgiu, em 1958, como um novo estilo da música nacional, os tradicionalistas passaram a criticá-la afirmando que era um ritmo próprio para os desafinados cantarem. Em resposta Tom Jobim e Newton Mendonça compuseram “Desafinado”, e deram a João Gilberto a oportunidade de interpretá-la e tornou-se, assim, mundialmente conhecida. Na canção os compositores preferiram personificar, os críticos da bossa nova, na mulher amada e a ela, então, dirigem a sua contestação aos que resistiam aceitar a beleza do ritmo que representava a renovação da música popular brasileira.
“Quando eu vou cantar, você não deixa/e sempre vem à mesma queixa/diz que eu desafino/ que eu não sei cantar/você é tão bonita, mas a tua beleza também pode se enganar”. Era assim a reação natural dos que teimavam em desqualificar a “bossa nova”. Esnobavam dizendo que para cantar as músicas do novo ritmo não era preciso ter voz, qualquer desafinado cantava. Então direciona, à namorada, suas argumentações como se tivesse falando para os desaprovadores, e diz que “a tua beleza também pode se enganar”, como se quisesse dizer que uma beleza não pode desconhecer outra.
“Se você disser que eu desafino amor/saiba que isto em mim provoca imensa dor/só privilegiados têm o ouvido igual ao seu/eu possuo apenas o que Deus me deu”. Essa colocação o deixava incomodado, triste, porque, na sua concepção, era preciso ter ouvidos privilegiados para entender “a bossa nova”, um dom de talentos presenteado por Deus.
“Se você insiste em classificar/meu comportamento de antimusical/eu mesmo mentindo devo argumentar/que isso é bossa nova, é muito natural”. Continua sua manifestação aos que se posicionavam contra o novo movimento musical brasileiro, e oferece naturalidade na titulação do ritmo recém-lançado chamando-o de “bossa nova”.
“O que você não sabe, nem sequer pressente/é que os desafinados também têm um coração/fotografei você na minha Roleiflex/revelou-se a sua enorme ingratidão”. Estava muito claro que os “desafinados”, como os críticos rotulavam, eram também românticos, sentiam no peito a batida do coração. Pensar o contrário era simplesmente uma revelação, no mínimo, de ingratidão. A bossa nova igualmente cantava versos de amor.
“Só não poderá falar assim do meu amor/este é o maior que você pode encontrar”. Uma declaração de amor, à mulher amada, em quem concentrava simbolicamente o gosto pela música tradicional brasileira. Ele tenta dizer que ama a música em todos os seus estilos e deseja que da mesma forma amem o ritmo que surgia em nosso país.
“Você com a sua música esqueceu o principal/que no peito dos desafinados/no fundo do peito bate calado/que no peito dos desafinados também bate um coração”. Que valorizem a música antiga, mas nunca esqueçam que “no peito dos desafinados” “também bate um coração”. A reafirmação de que a “bossa nova” não deixava de ser intérprete dos sentimentos e das emoções provocadas pelo coração. Os “desafinados”, como pejorativamente chamavam, eram românticos, apaixonados, emotivos.
Integra a série de crônicas “PENSANDO ATRAVÉS DA MÚSICA”.
