O povo brasileiro está nas ruas, numa onda crescente de protestos contra velhas e conhecidas questões: preço e qualidade do transporte público, corrupção, insuficiência das condições de educação, saúde, segurança, etc. É grande a insatisfação com o sistema social, político e econômico do país, e não apenas contra os poderes públicos. Não há vozes e chavões político-ideológicos e sim gritos desesperados contra a tirania do cotidiano.
Essa revolta popular compõe um contexto mundial. A razão é simples: viver passou a ser, também, uma grande dor e motivo para muitas lamúrias. O processo global de produção das condições de vida tornou-se quase 100% capitalista. As relações sociais são naturalmente opressoras e alienantes. As pessoas vivem sob o tacão do fetiche das coisas por elas produzidas que, como capital, submete-as à geração desenfreada de excedente econômico.
Como suportar e aturar os desencantos desse mundo tão carente de lucidez e humanização? Para além do subjetivismo existencial, há graves problemas objetivos crescentes: a violência, a banalização da vida, o terrorismo, a falsidade, o crime organizado, a depredação da natureza, as guerras, etc.
A sociedade de consumo nasceu como uma via paliativa. Avançou-se, no grotesco comportamento de medir felicidade pelo consumo de bens e serviços. As democracias acomodam as contestações e rebeldias contra o massacrante modo social de produção. Há, sim, direito à livre manifestação, desde que com a necessária resignação de protestar, criticar, lamentar … sem nada de relevante mudar. Infelizmente, o que se vê é um precário sistema de convivência individual, coletiva, privada e social.
Nas fases de prosperidade econômica, o consumismo e o jogo democrático funcionam como promotores do bem-estar. Nas fases econômicas adversas, essas estratégias de acomodação não só deixam de atuar como entram em cena a redução dos benefícios públicos e o alto desemprego. Nesse contexto, as mazelas e insatisfações sociais eclodem com muita força, com o povo indignado protestando nas ruas. Da crise de 2008 para cá, vem sendo assim, em muitos países desenvolvidos.
No Brasil, a onda de protestos tende a ser exitosa. As tarifas dos transportes serão reduzidas. Certamente propostas inovadoras e exeqüíveis serão feitas para a educação, saúde e outras áreas sociais. Mas tudo, como sempre, ficará aquém do necessário, embora criando fôlego político, uma espécie de suporte até uma nova fase crítica futura. E assim caminha a (des)humanidade: acumulam-se ao longo do tempo os problemas socioeconômicos que podiam ter sido antes racionalmente resolvidos.
