A eleição do papa Francisco me fez lembrar Dom Hélder Câmara. O discurso e a postura do novo pontífice se assemelham bastante com a história missionária do nosso compatriota que trazia como marca pastoral a luta em defesa da justiça social. O espírito de fraternidade que deve conduzir a relação entre os homens, sugere a necessidade de que se adote uma teologia democrática, repelindo a pompa, a riqueza e poder dominantes na igreja católica. O papa Francisco faz renascer a esperança de uma nova Igreja, demonstrando nas suas primeiras atitudes a disposição em se livrar dos grilhões das normas que regem o pontificado romano.
Vem surpreendendo o mundo ao revelar simplicidade, ascetismo e bom humor, no seu comportamento como Papa, se contrapondo à imagem que o mundo se acostumou a ver naqueles que ao longo da história ocuparam a cátedra de Pedro. Na sua primeira aparição pública como a maior autoridade da Igreja Católica rompeu o protocolo e pediu ao povo de Roma para orar por ele e por seu antecessor. Preferiu que o Anel de Pescador, que simboliza o poder pontifício, fosse de prata e não de ouro como de costume. Dispensou a limousine que transportava os papas anteriores e a pe à igreja onde celebrou missa e de taxi ao hotel onde foi pessoalmente pagar as despesas de sua hospedagem. Saiu incógnito para visitar um amigo enfermo num dos hospitais da capital italiana. Manifestou desagrado com o tamanho dos aposentos que lhe foram apresentados como sua futura moradia, chegando a afirmar : “aqui podem dormir cerca de trezentas pessoas”.
Quando tornou pública a escolha do nome que adotaria como papa já sinalizava de que sua missão se voltaria para a defesa dos pobres, dos oprimidos e dos espoliados, na construção de uma igreja pobre para os pobres, bem ao estilo do santo que o inspirou – São Francisco de Assis.
A riqueza que ostenta a Igreja Católica é uma agressão aos milhões de miseráveis que ao redor do mundo professam sua doutrina. Parece-me que estamos no limiar de um novo tempo. Acredito que teremos sim, a partir de então, uma igreja revolucionária, comprometida com o seu povo, obedecendo fielmente à Palavra do Evangelho quando nos ensinava Cristo a amarmos uns aos outros, sem qualquer distinção. Uma igreja que se preocupe com os mais pobres. Uma igreja que se desvincule do sistema autocrático da cúria romana e se aproxime dos mais necessitados. Uma igreja que não faça do Vaticano um império de riqueza e ostentação, quando muitos cristãos morrem de fome e sedentas de justiça social.
Dom Hélder, no seu tempo, já gritava contra essa desigualdade do Vaticano com a cristandade dos países pobres. Em um poema intitulado “Loucura Sagrada” imaginou um papa que ao enlouquecer passou a distribuir com os pobres todo o dinheiro do Banco do Vaticano. Não queremos tanto, mas desejamos que o novo pontífice reduza a pompa que domina a sede da sua igreja e não priorize o interesse capitalista que se estabelece na gestão do seu patrimônio e riqueza.
Francisco, o primeiro papa latino americano, conhece bem essa realidade vivida pelos pobres do terceiro mundo, porque com eles conviveu. Francisco, o primeiro papa jesuíta, tem na sua formação teológica e filosófica a compreensão firme do quanto é importante termos uma igreja próxima do povo, resurgindo verdadeiramente o fundamento da doutrina cristã, qual seja o da fraternidade e da justiça social.
Onde estiver Dom Hélder deve estar rindo de felicidade, enfim sua Igreja volta às origens e se mistura ao povo.