Vou me arriscar a emitir opinião pessoal a respeito de uma questão, da qual, confesso, não tenho conhecimento técnico-jurídico, mas que me preocupa enquanto cidadão brasileiro. Refiro-me à condenação de José Dirceu na Ação Penal 470, conhecida como processo do mensalão, no Supremo Tribunal Federal.
Há um entendimento no direito universal de que “não poderá haver condenação de quem quer que seja, sem a existência de provas lícitas, passando pelo crivo do contraditório e na observância do devido processo legal”. O julgamento dessa importante figura do nosso mundo politico foi realizado sem que se levasse em conta esse princípio jurídico, amparando-se numa teoria bastante polêmica: a Teoria do Domínio do Fato. Não quero defender a impunidade, mas a aplicação da justiça sem o risco de se colocar um inocente na prisão. Segundo pronunciamentos dos próprios ministros do STF não há uma só prova substancial de participação de José Dirceu nos crimes identificados no processo.
A Teoria do Domínio do Fato prega que uma pessoa quando ocupa posição de comando pode contribuir de forma decisiva para um crime, mesmo que não tenha participado diretamente dos fatos, em razão da capacidade de influência que exerce. Fundamentados nessa teoria, por maioria de votos, os ministros do STF aplicaram uma pena de mais dez anos de prisão a José Dirceu. Entenderam que ele, mesmo que essa compreensão tenha resultado de depoimentos e sequência de fatos, nunca por apresentação de provas concretas, teria o “dever de saber” o que estava acontecendo sob a sua hierarquia, e por isso mesmo, prevaleceria a presunção, portanto, de que teria o controle da ação criminosa em pauta de julgamento.
O jurista alemão Claus Roxim, teórico da TDF, há duas semanas em entrevista concedida no Rio de Janeiro, observa que: “a posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero “ter de saber” não basta. É preciso que haja comprovação de que quem está no comando tenha de fato emitido a ordem”.
A verdade é que esse julgamento se tornou um espetáculo, com direito a transmissão pela televisão onde as vaidades afloram e as emoções se manifestam desconsiderando a razão. Há um clamor popular por condenações severas, mesmo sem provas suficientes, porque prevalece o desejo da sociedade no sentido de que se acabe com uma verdade histórica em que as classes protegidas não são punidas. A opinião pública exerce uma pressão forte sobre os julgadores. A massa festeja o encarceramento de uma personalidade pública importante como se isso fosse o remédio para a injustiça que ao longo do tempo se comete contra os desamparados politica e economicamente.
Percebe-se então que se faz necessária uma resposta com punições exemplares. A Teoria do Domínio do Fato caiu como uma luva para alcance desse objetivo.
O que preocupa é saber o legado que deixará esse julgamento. Teme-se que essa nova compreensão jurídica possa influenciar decisões de primeira e segunda instâncias da magistratura brasileira, onde julgadores despreparados e partidários passem a sentenciar “por ouvir dizer” e na sua percepção pessoal da teoria ora aplicada, com base na verdade sabida, mas não provada.
Não existindo, então, um único elemento de prova, mas apenas o que seriam indícios, vemos com tristeza que outro conceito do direito deixou de ser respeitado: “in dubio pro reu”, na dúvida em favor do réu. Para se condenar alguem é preciso ter a certeza da sua culpa. Esse julgamento, enfim, passa a ser uma ameaça a todo cidadão brasileiro, principalmente gestores públicos, que têm funções de comando, correndo o risco de serem condenados no futuro sobre a presunção do “domínio do fato” de acontecimentos criminosos que aconteçam sob a sua competência de autoridade, mesmo sem provas.
Até que me provem o contrário, José Dirceu está sendo um “bode expiatório”. Foi o escolhido para o sacrifício da punição exemplar.