O pronunciamento oficial do Governador João Agripino em relação aos incidentes do dia vinte e três de outubro, feito por uma cadeia de emissoras de rádio, provocou imediata reação do professor Otacílio de Queiroz, por ter sido apontado como coordenador do movimento estudantil que culminou com o enfrentamento entre policiais e estudantes em plena via pública.
O professor, acusado pelo governador, convocou a imprensa paraibana e assim se manfiestou a respeito, colocando a sua versão dos fatos:
“Lamento a absoluta falta de verdade do governador, segundo as quais a concentração estudantil teria sido conduzida por mim. Seria para mim, na maturidade da minha vida , uma excepcional honra conduzir uma passeata de jovens idealistas. Mas, infelizmente, isso não aconteceu. Em todo caso, se o Sr. João Agripino procura encontrar alguem para justificar sua conduta ambígua perante o Presidente da República e as autoridade do Exército, que não o faça como alcaguete ou mentiroso comum. A honra e as tradições da Paraiba assim o exigem.
Momentos antes de inciar-se a concentração estudantil, saia eu da residência do escritor Virginius da Gama e Melo, e dirigia-me a uma casa bancária no Ponto de Cem Réis, onde fui resolver pequeno assunto particular. De lá, acompanhado do professor Antônio de Pádua Câmara, fomos juntos até o adro da Catedral, onde permanecia forte contingente policial.
Mal ali ouvíamos alí os aplausos da concentração que já parecia ultimar-se. Logo mais, vimos que era intenso o deslocamento de soldados, sendo que se notava entendimentos entre militares do exército e da polícia, tembém em frente à Catedral. O professor Pádua, de logo, retirou-se. Foi aí, quando ví que a massa estudantil se deslocava pela rua Conselheiro Henriques, ficando bem vaga a rua General Osório, pois o povo procurava dirigir-se para outras partes. Ao ficar, encontrei algumas pessoas, dentre as quais a professora Beatriz Sales, da FAFI, e o professor Ronald de Queiroz, da FACE, e pessoas da minha família, inclusive minha esposa e minhas filhas de onze e quatorze anos. Ao chegar ao velho edifício que pertenceu à família Santos Coelho, rebentava destes lados da Igreja intensa fuzilaria e, de longe, começamos a divisar uma correria da multidão de estudantes, crianças e mulheres. Procurei abrigar-me à entrada de uma escadaria que já estava inteiramente apinhada de gente de todas as idades. Nesse instante ouviam-se gritos de desespero e a fuzilaria rebentou por todos os lados da Praça Dom Adauto. Pedí imediata calma e que ninguem procurasse sair daquele improvisado abrigo. De fora, no entanto, avistei-me numa verdadeira onda de soldados de polícia, vindo para o nosso lado, aos gritos de “cachorros, matem esses cachorros”.
Fui-lhes ao encontro para ver se assim evitava maior desastre. A soldadesca, em estado de absoluta neurose, entrou a agredir-me, sendo que ao me voltar para um lado, recebí violenta pancada de fuzil que me ensanguentou o rosto. No instante, meu filho, José Adroaldo, ginasiano, correu em minha defesa, sendo violentamente espancado. Aos gritos de Ronald de Queiroz de que havia gente ferida, pude alcançar uma casa próxima, de onde pessoas amigas me trasportaram para o Hospital do Pronto Socorro. Lá mesmo os soldados invadiram aquele nosocômio, dali saindo apenas por enérgica decisão de um dos seus médicos.
Em resumo, esta é a verdade dos fatos. Se o Sr. Governador João Agripino fosse um humanista, um homem de outro valor intelectual, deveria lembrar-se de que a mentira é, no entender de um alto espírito universal, a mais vil e imoral das condições humanas”.
O intelectual Virginmius da Gama e Melo comfirmava, em sua coluna no jornal Correio da Paraiba, parte da narrativa do professor Otacilio de Queiroz, no que dizia respeito ao encontro que tiveram em sua casa.
“Pela manã entregou-me os originais do seu livro O HOMEM GORDO DO TAUÁ. As quinze horas teria o volume de volta, até ali o prazo para a leitura rápida. Veio encontrar-me a essa hora à volta com as provas. E conversamos muito, impressionado que ficara com a riqueza dos assuntos movimentados no livro.
Pelas dezesseis horas levo à porta o escritor, o jornalista, o advogado, o professor universitário, o ex-deputado, o ex-diretor de A União. Iria à gráfica, depois à passeata na Catedral, quase uma procissão.
Ouvindo Antena Política (programa noticioso da rádio Arapuan que ia ao ar diariamente as dezoito horas), tive notícia de seu nome entre os feridos. Apressei-me em ir visita-lo no Pronto Socorro. Ao sair minha tia falou: o máximo que um professor universitário, um homem ilustre como Otacilio Queiroz, poderia sofrer em sua cidade, seria um acidente. Nunca ser ferido por policiais”.
* esse texto faz parte da série COMO A PARAIBA VIVEU O ANO DE 1968
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