A cultura em si, a indústria e a necessidade de transformar




Antes que a campanha acabe, a Cultura precisa ocupar seu espaço preponderante no debate e na formulação e direção do futuro com cada um precisando se comprometer com políticas e práticas exeqüíveis até porque se existe um bem imaterial (material também) de muito valor no Brasil este, em parte, é produzido por paraibanos.

Em tempo: antes ainda de ousar dar um breve mergulho nesta área, não é difícil identificar gênios mortos e vivos com genoma PB a dimensionar o que somos ao longo do tempo. Celso Furtado, Jackson do Pandeiro, Sivuca, José Américo, José Lins do Rego, Genival Macedo, Livardo Alves, Pedro Américo, Paulo Pontes, Assis Chateaubriand, Pedro Santos (mesmo nascido no Amazonas), Ariano Suassuna, Elba, Zé Ramalho, Geraldo Vandré, Herbert Viana, Vital Farias, Cátia de França, Roberta Miranda, Chico César, João Câmara, Antonio Dias, Flávio Tavares, Altimar Pimentel, Flávio José, Pinto de Monteiro, do Acordeon, Fuba, Bráulio Tavares, etc, etc, etc – e, ainda,  farei justiça mais na frente inserindo mais gente de referência.

Na prática, não tem essa história de “Paraíba pequenina”, não. Discordo da afirmação quando se trata de Arte e Cultura, até porque somos muito mais do que mais de dezena de Estados deste Brasil nesta área. Não é àtoa que Caetano diz que o Axé quem tocou foco foi Zé Ramalho como “Frevo Mulher”.

Pois bem, a Paraíba dessa referência até hoje não se encontrou definitivamente com uma Política Cultural vasta, plural e transformadora – não para produzir shows e/ou eventos e contemplar apaniguados do Poder.

Nem mesmo na esperada gestão de Ricardo Coutinho, o politico que em fase de campanha recebeu a mais completa cumplicidade de toda a categoria -conseguiu fazer parcela do que se previa.

Para ser justo, precisamos admitir o Governo Pedro Moreno Gondim com alguns primeiros ensaios e arroubos de Política Cultural. Mas deu azar porque mais na frente se deparou com a Ditadura – a ascensão do Militarismo no País – e com eles se foram uma fase assanhada, mas dilapidada de nossa Cultura. O tempo fechou.

Depois, na fase inicial da Abertura (retomada da democratização), a partir do final dos anos 70 e anos 80 (este de muita ebulição política) dois Governos seqüenciados deram gás ao processo cultural, ou seja, de Tarcisio Burity e Wilson Braga com estilos bem distintos:

O primeiro, rebuscado, constituiu a melhor Orquestra Sinfônica num modelo bipartite com a UFPB trazendo músicos do exterior para ensinar na Universidade, além de ter construído o Espaço Cultural, investido no Centro Histórico (vide Celso Furtado) com os primeiros convênios atraindo a Espanha para iniciar a revitalização de nosso acervo, além dos eventos internacionais de Filosofia de Direito, etc.

Burity como intelectual deu forte contribuição, mas sua Política era exercida de baixo para cima sem um viés popular nem decisão partilhada com os artistas. Denominou-se a tudo isso como governante elitista, que o era – vide T. Virgilius, pseudônimo que chegou a usar como autor de peça erudita.

Neste contexto, ressalte – se a extraordinária  contribuição dada pela UFPB na fomentação de grandes projetos no Canto Coral, na musica instrumental, erudita – alô alô Clovis Pereira, Kaplan), no Teatro com o Lima Penante, as várias ações da PRAC (Pro-Reitoria de Assuntos Comunitárias – vide Iveraldo Lucena), o Quinteto Armorial que Lynaldo Cavalcanti atendeu a Ariano e bancou os “meninos geniais” por aqui, o DAC, Altimar Pimentel, etc.

A fase seguinte, de Wilson Leite Braga, foi a mais tumultuada porque em meio ao assassinato do empresário Paulo Brandão havia uma turbulência permanente a partir da UFPB e dos movimentos sociais querendo, exigindo a redemocratização do País – e nesse bolo estava o “Cego”, como chamavam os adversários do governador / conservador do PDS, principal partido aliado do Governo Militar.

Só que Wilson Braga, contudo, permitiu a germinação dos maiores ensaios populares de raiz que se viu na historia cultural com a antiga DGC comandada pelo irrequieto teatrólogo Raimundo Nonato Batista sacudindo o meio artístico com inúmeros projetos de articulação, como nunca tinha sido visto. O projeto Araponga e o Festival de Areia (com raiz anterior), além de inúmeras operações de incentivo aos artistas, serviram de referência com ramificação nos bairros, levando arte aos bairros, como até hoje não se vê na mesma dimensão.

Dos anos 90 para cá

De Ronaldo Cunha Lima, Antonio Mariz, José Maranhão, Cássio Cunha Lima e agora Maranhão haveremos de pontuar inúmeros projetos na área, de valor eu sei, mas creio não ser injusto ao apontar que a crise política ao longo desses tempos entre Governo e oposição nunca deixou que houvesse uma ação continuada de fôlego realçar com força absoluta e inabalável, se comparado, por exemplo, ao que o Movimento Cultural em torno da Grande Recife produz sobre a Capital pernambucana na formação de um processo com grande perspectiva à vista.

A impressão vigente no meu quengo é de que as linhas traçadas por Sales Gaudêncio e Chico Pereira para uma política de governo só se efetivaram na prática mesmo na sequência com Cida Lobo na catalogação de meios, sinalização e gestão a partir do FIC – Fundo de Incentivo à Cultura, denominado de Augusto dos Anjos, ao lado de medidas para proteger os artistas em decadência (lembro de Canhoto da Paraíba), da retomada da Sifonica, o reconhecido programa de artesanato ainda hoje bem conduzido pela arquiteta Sandra Moura, mas a saída dela acabou que esvaziando o processo porque sem decisão política reforçada na sequencia os processos se esvaem.

Trocando em miúdos, aqui me refiro a processos e não a eventos até mesmo grandiosos, porque estao longe de efeitos na transformação da Cultura.

É agora que o bicho vai pegar…

A dados de hoje, as duas referências que se tem de gestão cultural – a do professor David Fernandes e Chico César respondendo pelo Governo do Estado e da Prefeitura de João Pessoa, respectivamente, catalogam feitos relevantes aqui ou acolá, mas estão aquém do desejo e expectativa, não só dos setores culturais envolvidos como da sociedade de uma forma geral. Falta mais dinâmica, grude e política de transformação mesmo.

David elenca a retomada dos recursos do FIC em mais de R$ 2.8 milhões, a revitalização e construção do Museu de João Pessoa, inúmeros projetos da Fundação Espaço Cultural (esta merece uma análise), entre outros, como a garantir o fluxo de apoiamento ao setor, agora reduzido por conta das eleições. É verdade, ele não mente, mas o meio precisa de muito mais.

Mas, em termos de expectativa, quem ainda deve muito ao contexto cultural como gestor é o brilhante letrista, interprete e multimídia Chico César. Por sua fama criada, sobretudo por sua formação nos movimentos culturais de bairro – vide Jaguaribe Carne, Musiclube, etc – com a cancha que adquiriu no mercado discográfico, da industria cultural a partir de São Paulo e seus diálogos com o Exterior – ao ser anunciado como novo condutor da Cultura logo imaginava-se que a partir daí estaríamos diante de um momento espetacular.

Infelizmente, embora seja uma gestão pontuada em eventos e algumas ações com grupos culturais, a fase de Chico César está distante do que muitos setores / produtores da Cultura  imaginavam porque, ao que parece, se deixou conduzir até hoje pela vertente ideológica e política de plantão com todos os traços do ex-prefeito Ricardo Coutinho de não tolerar e conviver com o que não lhe apetece de reciprocidade.

Em síntese, o artista paraibano de maior visibilidade e dialogo com o mundo da cultura externa não consegue dialogar com vários movimentos da cidade – nem vou falar do Estado porque aí distancia é maior – frustrando imensamente a expectativa de que ele fosse o mais expressivo interlocutor entre todas as tribos e patotas do pedaço.

E ele não foi nem será enquanto Chico não identificar como a práxis e nova onda germinada por Gilberto Gil no MINC pulverizando as ações de forma democrática, construída e envolvendo todos os segmentos a partir de um novo paradigma de que política cultural não serve apenas para shows e manter a vida dos artistas.

Este modelo está distante da nova ordem, a partir do MINC, entretanto, se mantém em voga ainda por aqui protegendo quem é da patota e desprestigiando os que não gozam dessa confiança ou cumplicidade. A programação continuada dos shows no Ponto de Cem Réis, Busto de Tamandaré e a divisão do Folia de Rua reforçam esta constatação.

A gestão da cultura, a rigor, com base nos novos paradigmas tem de cuidar da revitalização, das ações pontuais de incentivos aos diversos segmentos, mas hoje só faz sentido distinguindo o papel do Estado, mas gerando meios para que haja formação, gestão qualificada e auto sustentação – nem sempre advinda dos cofres públicos – garantindo mercado e sobrevivência de forma plural respeitando e valorizando a classe artistica quando buscada. A cultura não pode ignorar mais a base econômica em si.

É este contexto gerencial que haverá de ser cobrado – e, vejam só, é exercido minusculamente pelo empresário Mauricio Burity, ex-roqueiro burguês, mas com sensibilidade no dialogo com todas as patotas, ouvidos abertos e ação para a gestão sem esperar que o leite,  origem da sustentação, pingue somente das tetas da Secretaria de Finanças porque hoje em dia, mais do que antes, se faz indispensável buscar novos reforços orçamentários fora da aldeia.

Aqui, para encerrar esse primeiro dialogo, não trato de valores pessoais, inegáveis, mas precisamos de gestores mais ousados, mais agregadores,  sempre ouvidos / respeitados pelos governantes na execução das políticas, da mesma forma que faz indispensável a implantação da Secretaria de Cultura sem a qual a Cultura estará sendo sempre um penduricalho – desculpem – me pela expressão – de segunda categoria.

Ainda voltaremos ao assunto sem ignorar absurdos jamais imaginados e vindos da esperança transformada em decepção. Certamente não posso ignorar a saudade da Guerrilha aposentada de Pedro Osmar, do ‘Bicho’ Carlos Aranha na produção de tantas inquietações ou de Fuba, um dos mais importantes atores da arte e cultura paraibana, agora envolvido com Scorpions – só que precisamos dele sem escorpiões fazendo muito mais em nosso favor, mesmo sabendo que uma coisa é ser artista a outra é gestor.

 

 

 

 

 

 

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