Livardo e a força do Canto

Terminou, ontem, no Teatro / Cine Bangüê, do Espaço Cultural, a quinta versão do Festival de Canto Coral da Paraíba produzido por abnegados intelectuais (homens e mulheres) no refino de uma vertente extraordinária da arte e da cultura paraibana, que é o nosso canto coral.
Impressiona como são vários os grupos a manter a resistência dessa habilidade do trato da voz.

Ontem (sábado) fui tomado de uma emoção sem igual – há tempo não chorava feito menino em plena alegria – ao ver a beleza estética, sonora e ambiental em que o Coral Universitário regido pelo maestro Eduardo Nóbrega expôs ao público retratando uma síntese da obra de Livardo Alves, seguramente um dos mais importantes compositores e cantores do Nordeste de todos os tempos.

Não entro no mérito do reconhecimento nacional, aspecto esse movido por outros valores, mas a obra de Livardo Alves, enfim, foi redescoberta pelo canto coral paraibano a advertir nossa gente de que, ainda bem, tem quem esteja se preocupando em formatar a relevância de grandes autores.

Quando jovem, no bairro da Torre, até tentei com Nina, Dando e Sinhá – primos queridos, esta última até hoje uma acordeonista espetacular – enveredar pelo canto coral. Pastor Aldo, época em que os presbiterianos tentaram ‘fazer minha cabeça’, foi um dos a me estimular, mas terminei deixando a segunda voz pelo Íbis da Torre – desta feita cantando sambas de Ataulfo e Livardo Alves.

É desse tempo que me vem à memória a malandragem decente de Livardo – intelectual singular, mambembe, fundador do PT e inconformado com as cenas da exclusão social, que o diga “Meu Pais”, canção que produziu com Orlando Tejo, seu companheiro de utopias.

Foi na juventude que, menino atrevido, buscava nas descidas na Avenida Getulio Vargas na direção da Lagoa e do grande comércio da cidade acompanhar as apresentações do Coral Universitário sob a regência à época de gente grande, a exemplo do maestro Clóvis Pereira e suas inquietudes que lhe levaram daqui para Recife.

Era tempo da construção do Quinteto Armorial com as influências geniais de Ariano Suassuna se impondo pela sonoridade irrepreensível de um grupo de jovens músicos – sonhadores da ‘revolução socialista’, que nunca se consumou.

Pois bem, ontem, a atual composição do Coral Universitário me fez tomado de emoção por atestar vida inteligente reverenciado Livardo, já de cara com “Doces Ervas”- um dos hinos e louvor (eita virei evangélico?) à natureza, ao mundo ecológico, para ser mais atual, que bem poderia ser adotado pelas escolas públicas da cidade.

Teve mais, muito mais: a voz de Arturo querendo se transformar em vibrato à lá Pavarotti, os arranjos soberanos de Tonkar, a coreografia tropical exibida por Eleonora Montenegro, como sempre fatal na exposição de nossas cores e símbolos a festejar Livardo com o cachorro que morde quem não sabe dançar forró. Lembrei de cara de Bola Nonato porque, comigo, fomos quem acompanhou de perto a gravação do CD Duplo – no qual em uma das faixas estava esse forro arretado.

Depois de machucar minha memória gerando tristeza pela ausência dele próprio ao ouvir “Meu Pais” me danei com a platéia nos grandes carnavais embalados pelas canções imortais “Eu do Mil”, Marcha da Cueca, etc, transformando meu sábado num dos momentos mais ricos da reverencia ao artista popular.

Ninguém viu, mas saí do teatro de olhos encharcados e feliz por ouvir, ver e testemunhar a celebração de Livardo Alves – merecedor de homenagens continuadas como esta.

Desculpe-me o tom emocionado, mas tenho motivos para isso porque, entre outros fatores de vinculo com a arte e a vida de Livardo, fui o diretor / produtor do CD “Malandro do Morro”- documento que deixou para a história a trajetória de um dos mais importante compositor paraibano do século passado.

Por essas e outras é que ainda creio no futuro de nossa terra.

Viva Livardo!

Mais Posts

Tem certeza de que deseja desbloquear esta publicação?
Desbloquear esquerda : 0
Tem certeza de que deseja cancelar a assinatura?
Controle sua privacidade
Nosso site utiliza cookies para melhorar a navegação. Política de PrivacidadeTermos de Uso
Ir para o conteúdo