De acordo com a história popular, Maria de Lourdes saiu do interior da Paraíba para trabalhar em uma casa na capital do estado quando tinha entre 13 e 14 anos de idade – movimento comum entre meninas pobres da época, que buscavam melhor qualidade de vida.
Um dia, após uma acusação de furto na casa em que trabalhava, a menina foi espancada até a morte. Mais tarde, a patroa encontrou os objetos que haviam sumido e que acusara a menina de ter roubado, o que fez com que a mulher perdesse a sanidade mental devido ao sentimento de culpa que sentia por ter cometido a injustiça, segundo o pesquisador em antropologia Weverson Bezerra.
O zelador do Cemitério Senhor da Boa Sentença há mais de 50 anos, José Barbosa, revelou detalhes sobre o sepultamento inicial da menina, carinhosamente chamada de “Lurdinha”. Segundo ele, a milagreira foi primeiramente enterrada em uma cova rasa na área interna do cemitério. Contudo, a intensa devoção popular e as graças atribuídas à menina motivaram a construção do túmulo atual, na parte frontal, como forma de agradecimento.
“Ela foi enterrada naquela outra quadra ali, dentro do cemitério, em uma cova de terra. Aí uma pessoa fez a promessa com ela e fez esse esse pergolado”, conta o zelador.
A comoção em torno do caso remonta a décadas, conforme relata o aposentado Carlos Nunes, que era criança na época da morte. “Lembro de tudo, eu tinha uns oito, nove anos de idade, por aí, quando aconteceu isso. Foi uma coisa triste para João Pessoa, porque a morte dela foi uma morte muito perversa”, recorda.
Critérios da Igreja Católica para a canonização
O processo para que a Igreja Católica declare alguém santo (canonização) é longo, rigoroso e tem critérios bem definidos. Ele se divide em quatro fases principais, cada uma com seus próprios requisitos.
É importante notar que a Igreja não “faz” santos, mas sim “reconhece” a santidade de uma pessoa que já está na glória de Deus, oferecendo-a como modelo de fé para os fiéis.
O processo é conduzido pela Congregação para as Causas dos Santos, no Vaticano, e geralmente envolve a comprovação de milagres (exceto em casos específicos de martírio).
1. Servo de Deus
Critérios:
- Morte: A pessoa deve estar falecida há pelo menos cinco anos (exceto em casos especiais dispensados pelo Papa).
- Fama de Santidade: Deve haver uma fama de santidade inicial e duradoura, ou seja, a opinião comum entre os fiéis de que aquela pessoa viveu de forma exemplar.
- Investigação Diocesana: O Bispo da diocese onde a pessoa morreu inicia a investigação formal, coletando todos os escritos, testemunhos e documentos sobre a vida do candidato.
2. Venerável (Reconhecimento das Virtudes Heroicas)
Critérios:
- Vaticano Analisa: Os documentos coletados na fase diocesana são enviados a Roma para a Congregação para as Causas dos Santos.
- Virtudes Heroicas: Teólogos e Cardeais avaliam se o Servo de Deus praticou as virtudes cristãs (fé, esperança, caridade, prudência, justiça, etc.) em grau heroico, ou seja, em um nível extraordinário, muito acima da média.
- Exceção: No caso dos mártires (aqueles mortos por ódio à fé), a comprovação das virtudes heroicas é substituída pela comprovação do martírio.
- Título: Após o reconhecimento, o Servo de Deus recebe o título de Venerável.
3. Beato (Beatificação)
Critérios (para não-mártires):
- Primeiro Milagre: É necessário comprovar um primeiro milagre autêntico, ocorrido após a morte do Venerável e por sua intercessão específica. O Milagre precisa ser uma cura inexplicável pela ciência, que deve ser instantânea, completa e duradoura.
- Mártires: Para os mártires, dispensa-se a necessidade do milagre para a beatificação.
- Título: Após a comprovação do milagre (ou do martírio), a pessoa é declarada Beato(a), permitindo o culto público restrito (em sua diocese, país ou ordem religiosa).
4. Santo (Canonização)
Critérios:
- Segundo Milagre: É necessário comprovar um segundo milagre autêntico, atribuído à intercessão do Beato(a) e que tenha ocorrido após a sua beatificação.
- Canonização: Após a confirmação deste segundo milagre, o Papa proclama solenemente a Canonização.
- Culto Universal: O novo Santo(a) passa a ser venerado por toda a Igreja Católica no mundo.
É importante notar que a devoção a Maria de Lourdes, a “santa popular” de João Pessoa, é um fenômeno de culto popular espontâneo (conhecido como beata ou milagreira popular), que não possui o reconhecimento oficial da Igreja Católica, pois não passou por este rigoroso processo canônico de beatificação e canonização.
A reportagem do WSCOM entrou em contato com a Arquidiocese da Paraíba para buscar um posicionamento sobre o caso. No entanto, não houve retorno.