A Revista NORDESTE publicou em sua última edição, entrevista com o economista Marcio Pochmann, que comenta sobre o processo de sucessão presidencial em disputa nas eleições atuais.
Marcio Pochmann é um economista, pesquisador, professor e político brasileiro. Foi presidente da Fundação Perseu Abramo de 2012 a 2020, bem como presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada entre 2007 e 2012 e secretário municipal de São Paulo de 2001 a 2004.

Leia a entrevista na íntegra:
A SUCESSÃO E O FUTURO
Márcio Pochmann avalia conjuntura sucessória e os desafios diante da realidade brasileira com o nível dos candidatos
Por Walter Santos
O cenário político e econômico do Brasil exige novas metodologias e projetos para recuperação nacional. É o que revela o economista Márcio Pochmann em entrevista exclusiva.
Revista NORDESTE – O debate econômico sobre a realidade deficitária brasileira não tem merecido a dimensão na campanha em face de temas de costumes e até religiosidade se sobrepondo. Na sua análise, qual o saldo real da vida socioeconômica a ser entregue ao futuro Governo Federal?
Márcio Pochmannn – Neste ano, a eleição presidencial se destaca por seu caráter plebiscitário, evidenciando o escasso debate acerca do futuro do presente do país e do seu povo. Parecem prevalecer, em função disso, expectativas, em geral, decrescentes para os próximos anos. Mas a sua relativa ausência do debate econômico sobre a realidade deficitária brasileira, não significa que o próximo período governamental (2023-2026) deva ser simples, pois há muitos nós a serem desatados. Após 9 anos de estagflação que combinou a estagnação econômica com alta inflação, a vida do brasileiro se tornou mais difícil, inclusive com indicadores inegáveis de regressão no padrão de vida e consumo. Reagir a isso exigirá do próximo governo, além de nova agenda desenvolvimentista, a modernização de fato e em novas bases do sistema produtivo e da estrutura redistribuição de renda, riqueza e poder no interior da nação. Com a mudança na chave da inserção internacional, o Brasil pode abrir outro e melhor horizonte de oportunidades para o enfrentamento do quadro nacional deixado pelo mandato do governo atual.
NORDESTE – Na sua opinião, objetivamente, como Geraldo Alckmin tem contribuído para atrair apoios de setores conservadores, a exemplo do agronegócio, e como sua simbologia tem se manifestado como valor agregado à campanha de Lula?
Márcio Pochmann – Desde o rompimento do ciclo político da nova República em 2014, quando uma parte das forças políticas derrotadas na eleição presidencial não aceitou o resultado final, o presidencialismo de coalizão foi colocado em questionamento. Neste sentido, a candidatura do ex-presidente Lula inova ao construir uma frente política partidária visando garantir tanto a posse, diante da vitória, bem como as condições de governabilidade a partir do próximo ano. Além disso, recorda-se que nos anteriores mandatos governamentais liderados pelo PT, os estado do Rio de Janeiro e São Paulo contaram com governadores de oposição. A aliança política nacional do PT com PSB, bem como a de outros importantes partidos, busca garantir a base política capaz de favorecer possíveis governos estaduais, bem como uma bancada parlamentar mais ampla possível. Em sendo vitoriosa essa estratégia eleitoral, a maioria política concebida nos Estados do Nordeste, poderia ser agregada à presença de governadores próximos no Sudeste. Diante da força emitida atualmente pelos partidos em torno do denominado Centrão, uma base política formada por governadores progressistas poderia reduzir o desequilíbrio parlamentar, o que, por si próprio, valorizaria a presença do ex-governador Geraldo Alckmin.
NORDESTE – A dados da conjuntura, de que forma a pauta ambiental pode recompor a respeitabilidade brasileira em nível internacional construindo meios e modos de gerar autossustentação dos povos e da sociedade em geral das regiões afetadas?
Márcio Pochmann – A reinserção internacional do Brasil em novas bases deverá se constituir num dos aspectos principais de realce do próximo governo. A construção de uma nova Ordem Internacional, a reorganização das cadeias globais de valor, a recolocação dos investimentos externo fazem parte da agenda externa, cuja centralidade passa pela emergência climática mundial. O Brasil, com a diversidade de seus biomas, sobretudo da floresta amazônica e da ampla presença litorânea no oceano atlântico, detém um diferencial em relação aos outros países diante da consolidação do Antropoceno, o novo regime climático. A agenda ambiental, neste contexto, deve assumir transdisciplinaridade na política governamental interna e externa , constituindo no próprio passaporte do Brasil para o desenvolvimento no século 21.
NORDESTE – Examinando a performance dos candidatos à Presidência, como definir os perfis de cada um deles e por que Lula se credencia com melhor saldo de conhecimento, propostas atualizadas e reconhecimento na perspectiva de resgatar conquistas econômicas e sociais rejeitadas na conjuntura?
Márcio Pochmann – Do ponto de vista histórico, o Brasil se encontra diante de uma profunda mudança de época, somente comparável aos acontecimentos referentes às décadas de 1880 (consolidação do capitalismo) e de 1930 (passagem para sociedade urbana e industrial). Neste contexto turbulento, de profunda polarização e de avanços e retrocessos, a possibilidade do país ser liderado por um personagem que vive o seu momento de vida de elevada maturidade política e experiência de gestão pública, o que se transforma em ativo singular, um privilégio à nação. Enquanto trata de construir os fundamentos políticos pelos quais a governabilidade poderá ser garantida no próximo governo, o candidato Lula se diferencia dos demais, que não obstante os seus méritos próprios, não alcançam o status do reconhecimento de liderança internacional. Embora os problemas econômicos sejam complexos, cabe a grande política conferir as condições pelas quais a realidade brasileira possa ser transformada profundamente, sobretudo em relação ao andar de baixo da sociedade brasileira.
NORDESTE – O Sudeste cumpre papel importante no atual processo, mesmo assim que simbologia o Sr. enxerga na participação dos 9 estados nordestinos na atual disputa?
Márcio Pochmann – O Brasil dispõe de recursos financeiros em grande monta depositados no sistema financeiro, acomodados pelo rentismo, bem como assume a sua condição de país em construção, subdesenvolvido e dependente do exterior, com enormes carências em infraestrutura, moradias, educação, saúde e outras. Mesmo assim, o país conta com tecnologia conhecida para enfrentar as atuais carências materiais e sociais e, ainda, um imenso conjunto de trabalhadores qualificados desempregados e subocupados. Ou seja, os pressupostos econômicos estão dados, porém não estão sendo mobilizados pelo atual nó da política, fundamentalmente. Desatar esse nó na política não será tarefa exclusiva do novo presidente da República, ainda que ocupe função central neste sentido. Para isso, a presença também ativa e altiva da liderança dos governadores convergentes com o novo governo será essencial. A demonstração da unidade regional estabelecida pelos governadores do Nordeste se constitui, além de contraponto ao desgoverno atual, uma referência a ser perseguida e reforçada na sustentação da agenda brasileira do desenvolvimento nacional.
NORDESTE – Na sua opinião, nesses poucos dias de campanha há chances reais de vingar o voto útil e quem, em tese, pode ser mais beneficiado?
Márcio Pochmann – A determinação do voto no Brasil parece atender, sinteticamente, a dois movimentos distintos. Até a pouco, por exemplo, a determinação do voto impulsionada pela propaganda de “cima para baixo”, movida pela centralidade do debate entre candidatos à presidência e, no máximo, entre os pretendentes aos governos estaduais. Mais recentemente, a propaganda de “baixo para cima”, motivada pelas candidaturas proporcionais de deputados federais e estaduais, foi estabelecida. O momento atual se revela importante para a atuação dos prefeitos, especialmente no que diz respeito à mobilização dos eleitores. As próximas semanas permitirão saber a força do denominado “voto útil”, com positividade ao candidato Lula.
NORDESTE – Como definir o futuro do Brasil sob a ótica de modelo melhor elaborado para definir a retomada real do desenvolvimento com inclusão social diante de reparos necessários?
Márcio Pochmann – Nesta terceira década, o desenvolvimento necessário ao Brasil se inscreve diante de três novas forças que atualmente estão a moldar o mundo. De um lado, a força do deslocamento do centro dinâmico do mundo para o Oriente e, de outro, a força da realidade do novo regime climático. Por fim, a força da nova Era Digital. A partir do entendimento de que o país se encontra diante de uma mudança de época, convergente com as novas forças reorientadoras do mundo, o projeto de desenvolvimento precisa ser reconfigurado. Para tanto, a busca prioritária de uma nova convergência da democracia política, do crescimento econômico sustentável e do pleno emprego com ampla inclusão social universal.
Escrito por: Angelo Medeiros

