O Papa era pop

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Antes de mais nada, tenho de fazer uma confissão ao Papa Francisco. Ele não era o meu candidato para a função não somente por ser argentino, mas também por disputar o trono com um brasileiro.

Na verdade, confundi o conclave com uma partida de futebol, e esqueci de notar que o simpático Francisco, ao seguir os passos de santo dos pobres e desvalidos, tocava o tango de seu país natal.

Era a encarnação de Gardel, que falava para os que não tinham voz, cantava para os que não tinham amor e distribuía ilusões nas portas dos cafés, bares e hotéis baratos. Era o homem simples, das ruas de Buenos Aires, que tinha em Deus o seu refúgio, o abraço amigo, o beijo partido e o esconderijo de vítimas e de ladrões.

E havia também o fantasma do racismo e da intolerância. E o xis da questão que passou a ser o cis em sua nova tradução e o trans da transformação. Nada que não pudesse ser percebido por aquele argentino que eu subestimei, esquecendo que uma cabeça faz toda a diferença. Que a aposta é a perspectiva de um novo tempo, um outro entendimento.

E ele sempre soube apostar para vencer. As guerras e as injustiças. A fome e a falta de amor.
Nisso, ele era um Discépolo consciente. Sempre sorrindo e quem sabe zombando de quem nada sabe e não se cala.
A seu modo, o Francisco de Assis da terra da milonga.

Levando o perdão onde há ódio. E a fé onde não há esperança. E, por tudo isso, fui ficando seu fã. Do papa comunista, para muitos e do papa humanista para outros tantos. Com ele, a Igreja de Deus fez as pazes com o presente, foi perdoado de seu passado e começou a fazer planos para o futuro.

Utilizando o mesmo bandoneon, mas com a revanche providencial do Gotan Project, que soube ressuscitar o tango para buscar na dor e no sofrimento o remédio para todos os seus males. De um modo geral, essa percepção da infelicidade deve ter sido determinante na trajetória de Francisco, que priorizou no seu papado viagens a países pobres e miseráveis.

Lá, não era o rei dos reis, era o plebeu sul-americano que falava a língua dos homens e rezava na cartilha do seu Deus. O pai nosso no meio daquela mama África, a Ave Maria das catedrais invadindo terreiros ao som de atabaques e o credo dos sacerdotes pedindo licença para se apresentar.

Esse era o homem que não me inspirou confiança porque era argentino, mas que, na verdade, era um cidadão do mundo. O argentino mais brasileiro da história. E o mais perfeito intérprete de Deus.

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