Por Carlos Enrique Ruiz Ferreira
A quem realmente interessa a ruptura entre João e Ricardo? E a esperança de uma Re-união
Para responder nossa pergunta, cumpre, em primeiro lugar, realizar um diagnóstico, ainda que sucinto, sobre a política paraibana recente, a partir do fenômeno “Ricardo Coutinho”. Neste sentido, até as pedras-monumento do Lajedo do Pai Mateus sabem que a liderança política de Ricardo Coutinho merece reconhecimento enquanto um determinante histórico. Para cientistas políticos, nada de novo no front, a questão da personalidade e liderança, enquanto uma das variáveis determinantes da Política, é notada desde os clássicos.
Ao lado do componente “liderança política” é preciso considerar um segundo elemento: o “campo político”. Este campo político se define a partir do espectro esquerda-direta que, apesar dos atropelos pós modernos, segue definidor da vida em comunidade. Neste sentido, Ricardo Coutinho advém dos movimentos populares e sociais e representa até hoje essa esfera de atuação. Outrora filiado ao PT, ingressou no PSB por circunstâncias conjunturais e, ao longo de sua militância, foi um dos poucos – ao lado do grande Roberto Amaral, dentre outros – a não apenas renegar a participação no golpe de Estado parlamentar (impeachment de Dilma Rousseff), mas se constituir como um ativo defensor do mandato da então presidente e, portanto, dos valores republicanos e democráticos. Não nos olvidemos, Ricardo foi minoria no famigerado (à época) PSB nacional.
Portanto, o PSB paraibano encontra-se indubitavelmente no espectro da centro-esquerda. Neste sentido, cumpre ressaltar que os governos estaduais de Ricardo Coutinho representaram uma quebra de paradigma político na Paraíba. Este Estado, marcado historicamente pela lógica e império dos coronéis, das famílias políticas da centro-direita e direta, se viu revirado de cima a baixo com uma maneira inovadora de gestão e de pensar e fazer políticas públicas. Estas políticas foram norteadas pelos interesses concretos da população paraibana, em especial a mais necessitada e marginalizada do processo histórico – este marcado pela violência sociopolítica brasileira tão bem expressa pela epítome Casa Grande e Senzala. A opção pelas políticas públicas de minimização das desigualdades econômicas e sociais foi acompanhada de uma metodologia política participativa: o orçamento democrático. Com este exercício de cidadania, sem precedentes na Paraíba, fez-se políticas públicas para o povo e com o povo (cum grano salis, é claro).
Essa quebra de paradigmas é digna de nota pois desestabilizou as classes e elites políticas tradicionais do Estado. E é exatamente essa classe (generalizando) que tem mais interesse com o rompimento entre João Azevedo e Ricardo Coutinho. Não sejamos ingênuos, essa classe política tradicional segue governando municípios, está incrustada nos três poderes e possui considerável capital econômico. Detém e influencia meios de comunicação e, recentemente, vê-se aliada a uma espécie de “terceira classe da política”, denominada contemporaneamente como o “baixo clero”. Eis o segundo grupo de interesse na ruptura que se vislumbra no PSB.
Como sabemos foi o “baixo clero” que complicou ainda mais as análises políticas no Brasil com o advento do deputado Severino Cavalcanti como presidente da Câmara dos Deputados em 2005. Marcio Pochmann disse certa vez que o episódio Severino Cavalcanti fora o medidor de forças e o primeiro ensaio do baixo clero no exercício do poder.
O “baixo clero” de Brasília, assim como do da Paraíba, rege-se por interesses próprios, tal como a elite tradicional, mas, ao contrário desta, flutua no espectro político com as alianças de conveniência. Sua diferença com a elite da Casa Grande, das famílias graúdas, reside no fato que o baixo clero não tem filosofia, projeto ou programa. A não ser uma filosofia utilitarista, pragmática, do fisiologismo, do vale tudo para estar e seguir no Poder.
Em síntese: a ruptura que se anuncia – mas que todo militante de esquerda tem o dever de condenar e gastar toda sua energia para evitar -, entre RC e JA, interessa sobretudo a essas duas classes políticas. Uma que é chamada da “velha política”, os herdeiros das capitanias hereditárias, dos grandes latifúndios, do coronelismo e familismo (sobre o tema vale revisitar o clássico “Política e Parentela na Paraíba: um estudo de caso da oligarquia de base familiar” de L. Lewin). E a outra é por vezes chamada de uma “nova classe política”, mas que de nova não tem nada, talvez apenas a organicidade que se apresenta nos tempos atuais (eles se organizaram!). É o chamado baixo-clero, que vive da insídia, classe seduzida e obcecada pelo poder, do poder pelo poder, do poder pelo “seu”.
Seria portanto não apenas profícuo mas imperativo para a política progressista e de centro-esquerda na Paraíba que os grandes líderes Ricardo Coutinho e João Azevedo perdoassem aquilo que deve ser perdoado (independente se erros aconteceram de fato ou foram criados por terceiros ou vivem no âmago de cada um – isso pouco importa) e dessem novamente às mãos em função de um desafio muito maior. É chegada a hora de perceber que, em realidade, todos nós nos equivocamos em algum momento. E, possivelmente, cada um tenha certa razão no desconforto que sente com o outro. Nihil obstat, para um observador da história e da relação de forças políticas na Paraíba, estas são questões menores em função do desafio de prosseguir com um Projeto Político definidor para a vida de milhares de paraibanos e paraibanas.
E, na pior das hipóteses, caso não seja possível o perdão, que resultaria numa bela e forte União ou Re-União Política, que então se proceda a uma Aliança. Uma Aliança bem estruturada, com princípios, metas, espaços e calendários bem definidos. Se é para realizar uma Aliança, que seja em função de um Projeto Político comum, de esquerda, aquele que transformou e transforma a Paraíba, deixando as elites tradicionais e o baixo-clero no seu devido lugar na História. A esperança, como diz o ditado, é a última que morre.
* Carlos Enrique Ruiz Ferreira é mestre e doutor em Ciência Política pela USP, pós doutor em Filosofia pela USP e professor de Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba. Atualmente é presidente do Conselho Estadual de Educação
Escrito por: Edney Oliveira