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Naiane levanta bandeiras na luta contra o preconceito: “É preciso desconstruir”

DESCONSTRUÇÃO


21/03/2017

"Sou mulher independente, não aceito opressão/ Abaixa sua voz, abaixa sua mão". Os versos firmes de MC Carol e Karol Conka servem de fundo para Naiane Rios fazer seu manifesto. No vídeo, divulgado em rede social, a levantadora atua como a personagem do rap "100% feminismo" e, com uma dose de humor, volta a levantar uma de suas bandeiras (veja no vídeo abaixo). O combate à violência contra a mulher ganha ainda mais força na legenda, ao citar "Maria de Vila Matilde", protesto pungente de Elza Soares. Naiane, assim como faz dentro de quadra, não se omite, qualquer que seja o rival.

A levantadora, de 22 anos e nascida em Belém, no Pará, é apontada como a mais promissora da nova geração. No ano passado, fez parte da pré-lista de José Roberto Guimarães para os Jogos do Rio. A ideia do técnico era fazer com que a jogadora sentisse a atmosfera de uma preparação olímpica. Nesta temporada, mais experiente, evoluiu com o Minas e alçou o time ao posto de um dos favoritos ao título. Nas quartas de final, as mineiras enfrentam o Bauru em busca de um lugar na semi. Após a vitória suada no último sábado, a classificação pode chegar nesta terça-feira, às 21h30.

Levantadora do Minas, Naiane faz vídeo em combate à violência contra a mulher
Fora de quadra, porém, Naiane também se destaca por ir na direção contrária de boa parte dos atletas do país, mais tímidos à exposição de ideologias. A levantadora, por outro lado, não se cala. Além da bandeira feminista, luta pela causa LGBT, com mensagens de conscientização em suas redes sociais. A levantadora se mantém firme na briga a favor das minorias.

– Às vezes, os atletas assumem uma postura unicamente de atleta, mas acredito que, antes de sermos atletas, somos cidadãos que lutam por espaço todos os dias.

Mas cada um age da forma que se sente mais confortável e que acha que é certa. Eu, Naiane, faço questão de fazer a minha parte, associando a minha imagem a esses tipos de causa, sejam elas feministas (sem superioridade, e sim com igualdade entre os gêneros ), LGBT, ou afins. Sou a favor das minorias, até porque faço parte delas. E ainda bem que posso ser uma pessoa pública e mostrar que o mundo pode ser um lugar melhor todos os dias, e acho todos devem lutar por isso. Todos buscam a mesma coisa (felicidade), só percorrem caminhos diferentes – disse a levantadora.

As posições firmes contra o machismo e a homofobia foram incentivadas em casa. Naiane revela que sua mãe, socióloga, foi quem a ensinou a lutar pos seus direitos. As conversas entre as duas deram força aos ideais que a jogadora defende com paixão nos dias de hoje.

– Eu fui criada nessa ótica desde criança. Minha mãe é socióloga, e meu pai sempre foi muito tranquilo. Eu e minha irmã nunca tivemos que fazer algo por sermos mulheres ou deixamos de fazer algo por sermos mulheres. Meus pais sempre nos criaram da forma mais livre possível, com consciência, mas livre. E minha mãe sempre conversou comigo sobre lutar por direitos, sobre respeito, política e movimentos sociais.

O esporte no Brasil ainda é cercado de preconceitos. São poucos os casos de quem quebra a barreira da homofobia publicamente. Naiane não sofreu quando assumiu sua homossexualidade. Ela acredita que o processo seja mais complicado entre os homens, mas que a conscientização popular é essencial para a liberdade de quem teme se assumir.

– Não consigo afirmar nos outros esportes, mas no vôlei, para mim, sempre foi tranquilo. Mas existe, sim, aquele preconceito que é cultural, as piadinhas rotineiras que são só "brincadeiras". Acho que no masculino é sempre mais difícil, porque um homem se assumir gay é como se estivesse indo de contra a todas as regras masculinas. Por isso eu digo que é preciso se instruir, ter por perto pessoas como a gente, é preciso estudar e criar defesa para o mundo, porque as pessoas vão te "atacar", e os seus argumentos vão ser a sua única defesa. E às vezes em uma conversa simples, você consegue fazer alguém mudar de opinião. É preciso ser bem resolvido, ter coragem pra enfrentar a vida. É preciso desconstruir – afirma.

Enquanto levanta suas bandeiras, Naiane também tenta evoluir dentro de quadra. O chamado para a seleção no ano passado indicou um caminho a seguir. Quando viu seu nome na pré-lista de Zé Roberto para os Jogos do Rio, a levantadora sabia que dificilmente estaria na convocação final – o técnico, que também dispensou Roberta, do Rio, acabou levando Dani Lins e Fabíola. A experiência, porém, foi bem-vinda. No período, foi a titular da equipe B durante o Torneio de Montreux e sentiu o gosto de defender a seleção.

– Acredito que a convocação veio pelo trabalho que fiz na temporada passada, seleção é consequência. Aproveitei o ano passado para evoluir, para ter noção de como que funciona uma preparação em ano de olimpíada, como que é o cenário internacional adulto. E sei que para encarar os campeonatos fortes lá de fora eu preciso jogar, ter experiência, coisa que eu só vou adquirir com o tempo e estou disposta a isso.

No Minas, tem a missão de guiar o time até a final. Depois de um início irregular, a equipe mineira cresceu com as chegadas de Destinee Hooker e Jaqueline. Chegou a emendar uma série de nove jogos sem perder na reta decisiva e assumiu de vez a condição de favorita. Nos playoffs, tenta ultrapassar as barreiras para seguir na briga pelo título.

– Nosso time cresceu muito no segundo turno e isso é resultado do nosso treinamento. Melhoramos nosso volume de jogo que tem sido fundamental pra jogar de igual pra igual com as grandes equipes. (Hooker e Jaqueline) são grandes jogadoras e vieram pra fortalecer o grupo. Nosso leque de opções aumentou, e isso nos faz ficar ainda mais fortes – afirmou Naiane.

O caminho até a final, porém, é complicado. Contra o Bauru, Minas deve fazer uma das séries mais equilibradas dos playoffs. Mas, tão firme como nas suas posições fora de quadra, a levantadora confia no potencial do time.

– Agora é mudar o pensamento e saber que precisamos aproveitar as chances e buscar a vitória desde o primeiro ponto. As equipes são fortes e querem tanto quanto nós, por isso a atenção tem de ser redobrada. Nosso time é um time forte individualmente e mais que isso, é forte junto, se encaixa. Estamos aqui pra brigar e chegar na final.


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