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‘Na China, tem a minha tapioca, tem carne, tem tudo’, diz paraibano Hulk

CARNE E TAPIOCA


02/06/2017

Com 18 anos, depois de ter feito apenas dois jogos como profissional em um clube brasileiro, o Vitória, Hulk desembarcou no Japão. Desnecessário dizer que não sabia nem uma palavra sequer do idioma oriental.

Por isso, claro, o começo não foi dos mais fáceis. Pelo Kawasaki Frontale, fez apenais um gol, em 11 jogos oficiais, e foi emprestado para o Consadole Sapporo. Mais adaptado, desandou a balançar as redes. No total, contando uma passagem pelo Tokyo Verdy, foram mais 71 gols.

O Porto percebeu isso. Comprou o atacante. Depois, veio o russo Zenit. Agora, o Shanghai SIPG. A vida de Hulk foi feita de mudanças, às quais sempre se adaptou bem.

A seguir, um papo com ele.

O Shanghai está nas quartas de final da Liga dos Campeões da Ásia. É a meta para esta temporada? Dá para ganhar esse torneio e ir para o Mundial?

Olha, estamos com uma expectativa muito boa. Claro que dá para ganhar, porque o time tem plantel, tem investimento alto e, por isso, nossa obrigação é lutar pelos títulos. Mas também estamos bem no Campeonato Chinês (a equipe está em segundo na tabela, dois pontos atrás do líder Guangzhou Evergrande) e temos de pensar nessa competição, que também é importante.

Os chineses já estão brigando de igual para igual na Liga da Ásia, não?

Temos adversários fortes, mas o futebol chinês vem, sim, ganhando cada vez mais a Ásia. O Guangzhou venceu duas vezes, por exemplo. Este ano, todas as equipes do país passaram da primeira fase. Até por isso, repito, sonhamos com esse título, por mais que ele não seja fácil. Os clubes japoneses e coreanos continuam sendo muito fortes. Mas, como disse, temos outro objetivo, também, que é o Campeonato Chinês. Nosso time é jovem, nunca levantou esse troféu e vamos em busca disso.

Você tem mantido a boa média de gols nesta temporada. Está satisfeito com seu desempenho?

Graças a Deus, sim. Tenho conseguido manter isso, o que me deixa feliz. Estava conversando com o meu assessor, outro dia, e ele me lembro de que, nos últimos 12 anos, estou jogando em alto nível, mantendo uma média boa. Desde o Japão, passando pela Europa e, agora, na China. Agora, por que isso acontece? Sei lá, acho que porque eu me cuido ao máximo, entro em campo muito focado para fazer o meu trabalho.

Quando chegou a proposta da China, claro, a parte financeira deve ter pesado demais. Por que você decidiu ir?

Como você disse, a parte financeira falou, sim, muito alto. Mas eu penso que a vida é feita de desafios. Fiquei no Japão três anos e meio, e aprendi demais com essa experiência. Depois, fui para o Porto e ganhei tudo, menos a Liga dos Campeões. Na sequência, fui para o Zenit, pelo qual também ganhei muita coisa. E, aí, me apareceu essa oportunidade de ir para a China. Eu fui logo querendo me informar sobre a cidade, vi que as condições eram boas para mim e para a minha família. Meus filhos adoram onde moramos. Isso ajudou e fez com que pudéssemos nos adaptar mais facilmente. Acho que isso passa pelo fato de dar continuidade a minha carreira no futebol.

Que tipo de futebol você esperava encontrar e que futebol encontrou na China?

Todos os estrangeiros, quando vão para a China, acham que vai ser fácil jogar, que não tem qualidade. Mas, quando cheguei, foi exatamente o contrário. O futebol tem qualidade, sim, eles são bons, e não apenas os gringos. É um jogo muito difícil, muito competitivo, muito corrido. Parece que os chineses são fracos, fisicamente, né, mas não, eles são fortes. E, taticamente, disciplinados demais.

Mas você pegou essa transformação, né?

Sim. Cheguei em um país que começou a investir muito no futebol. Meu time, por exemplo, tem titulares da seleção. Além dos brasileiros, claro, como Paulinho e Renato Augusto, que também estão na seleção. Existe um limite de três estrangeiros por equipe, mas, mesmo assim, a coisa fica muito competitiva. Como dissemos, japoneses e coreanos são mais experientes, estão há décadas crescendo, disputando a Liga da Ásia. Mas, agora, está pau a pau com eles, não tem mais essa de chinês ser time fácil. Falando com os outros estrangeiros, é unanimidade. Todos dizem que cresceu muito.

Como fica a cabeça quando um cara como você, que teve uma infância simples, percebe que foi vendido por R$ 204 milhões?

Nunca me apeguei muito a isso. Quando saí do Porto para a Rússia foi isso, também. Olha, já joguei Copa, estou com 29 para 30 anos e a valorização é o reconhecimento do seu trabalho. Mas, como disse, não é algo no qual eu fique pensando, não. Penso, sim, em me dedicar cada vez mais, aprender. Agradeço ao futebol.

Sendo atacante, claro, cobra-se e fala-se dos gols que você faz. Mas uma característica sua de destaque também são as assistências. Por quê?

Porque faz parte de jogar futebol. À medida em que fui pegando mais experiência na carreira, fui aprendendo que temos de procurar quem está mais bem posicionado para finalizar. Comecei a pensar assim. Às vezes, isso é menos valorizado no Brasil, mas fez com que eu ficasse muito respeitado na Europa, por exemplo. Onde vou, elogiam o meu trabalho. Fico sempre feliz pelos gols, claro, mas mais feliz ainda quando dou uma assistência.

Você é o típico caso do jogador que não atuou profissionalmente no Brasil. Ainda tem esse sonho? Por qual clube?

Nunca se sabe o que vai acontecer no futuro, né… Deixo isso para Deus. Hoje, estou na China, tenho mais três anos de contrato e o meu objetivo é cumprir isso. Mas Brasil, voltar para a Europa, ficar na China… Por que não pensar em todas as possibilidades?

Mas o Brasil é o seu país.

Eu acompanho muito o futebol brasileiro, claro. Tem qualidade, gosto de assistir aos jogos. Não digo que não tenho vontade, claro que tenho, sou brasileiro, como você disse. Mas não cito um clube específico pelo qual gostaria de jogar.

Na base, você teve uma passagem rápida pelo São Paulo. Como foi?

Muito rápida, em 2002, de seis meses, não cheguei nem a ser federado pelo clube. Cheguei e, depois, meu empresário disse que não quiseram pagar R$ 50 mil para eu comprar uma casa para os meus pais. Aí, o Vitória veio e pagou. Fui embora. E comprei a casa.

Olhando a sua trajetória, nem vou perguntar se está adaptado à China… Sua vida foi de adaptações, né? Primeiramente Japão, depois Portugal, Rússia e, agora, a China. Como sempre lidou com isso?

Sempre me adaptei muito rapidamente aos lugares. Com 18 anos, cheguei no Japão e achei que seria difícil, mas pelo contrário, foi muito bom. E fui sozinho, hem. Na Europa, eu já estava com a família, e foi mais tranquilo ainda, isso ajudou muito. Casar cedo foi positivo, né. Quando cheguei a Portugal, já estava casado.

O que a China tem de melhor e pior?

De melhor? Ah, muita coisa. Segurança, educação para os meus filhos, o lado profissional. Graças a Deus, fiz um contrato muito legal, moro em uma cidade boa, estou em um clube que está crescendo. Em um ano no país, já avalio que foi muito positivo. De negativo? Olha, nada (risos). Tem a saudade, claro, mas como tem muito brasileiro no país, isso compensa. Se quer feijão, tem. Tem a minha tapioca, carne, tem tudo (risos).

Que fase foi melhor na sua carreira, no Porto ou no Zenit?

Sempre mantive bons números nos dois. De gols e assistências. Em 2010, 2011, no Porto, ganhei a Liga Europa. Não sei… O Zenit foi muito bom para mim, também. Na China estou bem, agora. Quando cheguei, me machuquei logo no primeiro jogo. Com nove minutos fiz um gol e, aos 11, tive a lesão. Fiquei em campo tentando jogar, o que acabou agravando o problema, e disputei o restante do campeonato, acho, com uns 40% da minha capacidade física, apenas. Fiz uma cirurgia no tendão do joelho esquerdo, voltei em dois meses e, agora, não tenho mais nenhum problema.

Corrija se eu estiver errado, mas você e o Witsel foram os primeiros negros a jogarem pelo Zenit. Você chegou a ter esse sentimento, de que estava quebrando uma barreira?

Não sei se fomos os dois primeiros. O time já tinha o Bruno Alves, que tem o mesmo perfil do meu.

Teve algum episódio nesse aspecto nessa passagem?

Tive alguns incidentes de racismo na Rússia, sim. Quando acontecia, ficava chateado, mas acabei relaxando. Não posso revidar, ficar triste. Quando a torcida gritava, eu mandava beijos. Aos poucos, as coisas melhoraram. No meu último ano lá, até antes, acabou de vez. Cara, lembra-se do que aconteceu com o Daniel Alves na Espanha? A atitude dele no dia em que jogaram a banana no campo foi gigante. É um cara abençoado, está bem na Juventus. Mesmo quando teve momentos ruins, tirou de letra. (Nota da redação: em abril de 2014, quando atuava pelo Barcelona, o lateral-direito estava se preparando para bater um escanteio, contra o Villarreal, quando alguém da torcida do adversário jogou uma banana no campo. Dani Alves pegou a banana, a descascou, comeu e bateu o escanteio.)

Seleção brasileira, claro, é sempre a meta de jogador de alto nível como você. Você ainda sonha em voltar?

Sempre penso no que é melhor para mim. Faz algum tempo que não sou convocado, mas continuo trabalhando. Se tiver a oportunidade, responderei com muito orgulho. Sempre fico e sempre ficarei lisonjeado quando for chamado.

Que referências tem do Tite? O Brasil, com ele, voltou a ser respeitado mundialmente?

Quando se fala do Tite, entre os jogadores, sempre se fala bem. É um cara bom, de caráter, honesto. Faz um ótimo trabalho na seleção, que voltou a ter o respeito de todos, pelos resultados que vem conquistando. Sempre que não estiver no grupo, estarei na torcida.

Dá para sonhar com a Copa da Rússia?

Não digo sonhar, sonhar… Como disse, trabalho com os meus objetivos. Penso em estar bem no meu clube. Vai ser uma Copa em um país no qual já atuei, fui feliz. Seria gratificante. Mas nunca se sabe. Tem um ano até lá, vai saber.

O que você guardou da experiência de disputar uma Copa do Mundo?

Cara, foi um momento único, principalmente por ter sido no Brasil, meu país. Quando entrava no estádio, vendo a torcida cantando o hino, apoiando… Infelizmente, não terminou como queríamos, mas isso faz parte do futebol. E a coisa maravilhosa desse esporte é isso, ele te dá a oportunidade de reverter a situação, de seguir trabalhando, de se recuperar, conquistar as coisas. E tudo passa muito rapidamente… Faz quatro anos, quase, que teve a Copa no Brasil. E, agora, está chegando essa outra oportunidade. Se eu não for para o Mundial, quem for vai ganhar essa chance de reescrever sua história.

Você que jogou e morou na Rússia, o que esperar da Copa no país?

Vai ser maravilhosa. É um país maravilhoso, que está se preparando para isso. Os estádios serão espetaculares. Quando o do Zenit estava em construção, eu via de perto. Morava ao lado, ficou incrível. Será uma Copa bonita. Quem for vai desfrutar demais, seja atleta, torcedor, jornalista…

Comenta-se de um interesse do Arsenal em você. O que pensa a respeito dessa possibilidade?

Bom, nunca joguei no futebol inglês. Mas gosto do Arsenal. É um time que gosta de jogar futebol. Mas dei uma entrevista, outro dia, dizendo que sou fã do clube, e já disseram que eu quero jogar lá. Se eu disser que gosto do Palmeiras, do Flamengo, vão dizer que quero jogar lá. Não é assim, isso é complicado. Todo mundo sabe que tenho um carinho pelo Palmeiras, mas para por aí. O futuro está nas mãos de Deus, não nas minhas.

Mas o Arsenal já o procurou?

Isso é história. O pessoal cria muito. Como disse, dou entrevista, escrevem o que querem. E repito: hoje, a minha cabeça está no Shanghai. Estou feliz e adaptado ao clube e à cidade, com mais três anos de contrato.

Mas voltar para a Europa é uma meta?

Entenda bem: estou muito feliz na China. Tudo está correndo bem. E, se continuar assim, fico mais tempo no país. Por que não? É um lugar bacana, meus filhos gostam, vão à escola, estão adaptados. Se tiver de continuar, continuarei feliz, mesmo. Se tiver de voltar à Europa, voltarei. Mas não é uma obsessão.

Mudando de assunto, quer dizer que, além de jogador, você tem a missão de ser o "pai" do Homem de Ferro e do Thor, em casa?

(Risos) Tenho três filhos. O Ian, que vai fazer 8 anos; o Tiago, que vai fazer 5; e a Alice, que vai fazer 4. No aniversário de um deles, um estava vestido de Thor e o outro, de Homem de Ferro. Aí, cheguei e perguntei: ‘Escuta, por que ninguém é o Hulk?’ Eles me responderam: ‘Porque o senhor já é, né, pai!’ (risos)

Como seus filhos lidam com o fato de você “ser o Hulk”?

Ah, é legal, né. Eles já entendem muito tudo o que está acontecendo. Quando chegam da escola, de vez em quando, chegam para mim e dizem que um amiguinho pediu um autógrafo meu. Antes, eles não tinham noção. As pessoas me paravam nas ruas para pedir uma foto e eles perguntavam por que estavam fazendo aquilo. O maior orgulho, para um pai, é ser o espelho para os filhos. Foi assim com o meu pai, para mim, e quero que seja assim comigo, para eles.

Seus pais tiveram oito filhos, com apenas você de homem. Como foi essa infância?

Foi bacana, apesar das dificuldades que enfrentávamos. Com os meus pais sempre lutando para nunca faltar nada para a gente. E serviu demais como aprendizado. Como eu era o único homem, tinha algumas regalias, mas, da mesma maneira, sobravam coisas pesadas para mim. Era paparicado demais, mas tinha de ir à feira às 3h da manhã para ajudar meu pai. Mas, graças a Deus, deu tudo certo. Sempre fomos e continuamos sendo uma família feliz.

Hoje, olhando para trás, o que pensa quando vê tudo aquilo que conseguiu na carreira?

Sempre que olho para trás vejo que a minha vida mudou para melhor, principalmente pela família que eu tenho, com as três bênçãos que Deus me deu, que são os meus filhos. Meu sentimento de gratidão é imenso por causa disso. Toda noite, antes de dormir, eu oro e agradeço por tudo, principalmente pela saúde.



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