O Ministério Público Federal na Paraíba (MPF-PB) confirmou a instauração de um inquérito civil para investigar a atuação de empresas responsáveis pela instalação e operação de parques de energia eólica no estado. A investigação é motivada por uma série de denúncias graves envolvendo danos à saúde das populações rurais e a natureza abusiva e injusta dos contratos de arrendamento de terras.
A informação foi detalhada pelo Procurador da República José Godoy Bezerra de Souza em entrevista, que ressaltou a urgência de uma resposta do sistema de Justiça diante dos impactos socioambientais dos empreendimentos.
Um dos pontos mais alarmantes levantados pelo MPF é a falta de observância de uma distância segura entre as torres eólicas (aerogeradores) e as residências dos moradores rurais. O Procurador Godoy citou casos de adoecimento, inclusive em estados vizinhos como Pernambuco, que se repetem na Paraíba:
Em uma comunidade em Caetés (PE), uma pesquisa revelou que 80% da população testada apresentava problemas de ouvido, e uma parcela significativa sofria com problemas nos dentes e nas veias. Os danos são atribuídos ao som inaudível (infra-som) emitido pelas pás em movimento. O Procurador explicou que essa vibração causa um “estremecimento” nas veias das pessoas, demonstrando os sérios efeitos da presença dos equipamentos próximos às residências. As empresas não teriam tido o “cuidado de deixar a distância adequada”, resultando em comunidades convivendo e adoecendo no meio dos parques eólicos.
O MPF e outras instituições como as Defensorias Públicas (DPU e DPE) têm participado de audiências públicas e debates para pressionar pela aprovação de um Projeto de Lei que estabeleça uma distância mínima obrigatória para a instalação dos aerogeradores.
O segundo foco central da investigação é a forma como as empresas adquirem o direito de uso das terras, evitando a compra e optando pelo arrendamento através de contratos que o MPF classifica como assimétricos, injustos e violadores da boa-fé objetiva.
As empresas não compram a terra, mas a arrendam por longos períodos, de 20 a 30 anos, com cláusulas de renovação, o que, na prática, configura uma apropriação de longo prazo. O Procurador destacou que os proprietários rurais ficam, geralmente, com apenas 1% do valor da energia gerada pela torre instalada em suas terras, enquanto os 99% restantes são embolsados pelas empresas. Essa disparidade evidencia um contrato “bastante injusto”. Além disso, os contratos são levados “fechados” e prontos para a assinatura dos pequenos proprietários, que, muitas vezes, não possuem o letramento técnico ou jurídico para compreender as cláusulas ou negociar, colocando-os em “grande desvantagem”.
O MPF criticou a exploração de comunidades vulneráveis (quilombolas, indígenas, agricultores familiares e assentamentos), alegando que os contratos firmados nessas condições podem ser considerados inválidos.
O MPF tem defendido que a Assembleia Legislativa imponha cláusulas mínimas obrigatórias nesses contratos, especialmente nas áreas do Semiárido paraibano, e tem alertado órgãos como a ANEEL e a SUDEMA sobre a necessidade de fiscalizar a validade desses acordos, exigindo, inclusive, o cumprimento da Convenção 169 da OIT em relação às comunidades tradicionais.

