Ao tomar conhecimento de que o Prêmio Nobel da Paz foi criado pelo inventor da dinamite — um artefato de grande poder destrutivo —, é inevitável a dúvida: destina-se realmente a quem trabalha pela paz ou, paradoxalmente, àqueles que promovem a guerra? O químico e empresário sueco Alfred Nobel, em seu testamento, determinou que a maior parte de sua fortuna fosse utilizada para premiar pessoas ou instituições que tivessem contribuído significativamente para a humanidade. Percebe-se, portanto, a contradição de um suposto pacifista que fabricava e vendia armas capazes de matar milhões de pessoas — um curioso “pacifismo de destruição em massa”.
Chama atenção o fato de o Prêmio ter sido concedido a diversas personalidades envolvidas em invasões militares, golpes de Estado, genocídios e guerras. Entre elas, Henry Kissinger, Yasser Arafat, Yitzhak Rabin, Barack Obama, Abiy Ahmed, Menachem Begin, Anuar Al-Sadat, Al Gore, José Ramos-Horta, Mohamed ElBaradei e Shimon Peres.
O que deveria simbolizar os ideais universais de paz transformou-se, em muitas ocasiões, em instrumento de legitimação política, usado para glorificar lideranças responsáveis por ações que alimentam conflitos ao redor do mundo. Na prática, o Prêmio Nobel da Paz vem deixando de ser um símbolo de conciliação para tornar-se um avalista de confrontos armados e guerras.
O mais recente ataque à credibilidade da premiação foi a escolha da venezuelana Maria Corina Machado, ativista política que atua na legitimação de tentativas de golpe e de agressões contra a soberania do seu próprio país. Como considerar uma defensora da paz alguém que apoia as ações do governo de Benjamin Netanyahu em Gaza e defende intervenções externas na Venezuela? É notória sua proximidade com os governos dos Estados Unidos — especialmente com Donald Trump. Não por acaso, ao saber da indicação, declarou: “Dedico este prêmio ao povo sofrido da Venezuela e ao presidente Trump, por seu apoio decisivo à nossa causa.”
É inegável que Maria Corina se destaca como líder opositora de Nicolás Maduro, simbolizando a luta por um processo eleitoral mais justo e transparente na Venezuela. No entanto, é igualmente incontestável que sua atuação se dá por meio de estratégias de confronto, incentivando meios beligerantes para derrubar o governo — o que não condiz com o conceito de pregadora da paz, numa postura marcadamente antidemocrática.
O crítico cultural norte-americano Michael Parenti já advertia: “O Prêmio Nobel da Paz muitas vezes não tem nada a ver com paz e muito a ver com guerra. Frequentemente vê a ‘paz’ pelos olhos da plutocracia ocidental. Só por essa razão, não deveríamos aplaudir.” Na década de 1970, dom Hélder Câmara, conhecido mundialmente como o “artesão da paz”, teve sua indicação negada por quatro vezes em razão das ações da ditadura militar então instalada no Brasil — o que confirma a observação do cientista político estadunidense. O movimento contra o bispo católico envolveu várias frentes, da diplomacia ao empresariado. Assim, a escolha de Maria Corina como laureada do Prêmio Nobel da Paz não surpreende: é apenas mais um capítulo do jogo político internacional.