BRASIL 247 – A Advocacia-Geral da União (AGU) decidiu contestar a liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que restringiu a legitimidade para apresentação de denúncias por crime de responsabilidade contra integrantes da Corte.
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O pedido foi formalizado pelo advogado-geral da União, Jorge Messias, e enviado ao próprio Gilmar Mendes, relator das ADPFs 1.259 e 1.260, que questionam dispositivos da Lei 1.079/1950, a Lei do Impeachment. Messias solicita que os efeitos da liminar sejam suspensos até que o plenário virtual julgue o tema, em sessão prevista entre 12 e 19 de dezembro de 2025.
Indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao STF, Messias pode ganhar o apoio se senadores insatisfeitos com a decisão de Gilmar.
AGU defende legitimidade popular e critica concentração de poder na PGR
Na decisão que detonou a crise, Gilmar Mendes restringiu à Procuradoria-Geral da República — chefiada por Paulo Gonet — a prerrogativa de apresentar pedidos de impeachment contra ministros do STF. Além disso, elevou o quórum para abertura de processos no Senado, que passaria de maioria simples para dois terços, mesmo percentual exigido para condenação, conforme reportado pelo Blog do Esmael.
A medida, na prática, eliminou o direito de parlamentares e cidadãos ingressarem com denúncias, retirando um dos principais instrumentos de controle democrático sobre a Corte. Segundo a AGU, tal limitação viola o artigo 1º da Constituição, que estabelece que “todo poder emana do povo”.
O órgão sustenta que a possibilidade de qualquer cidadão apresentar denúncia não representa risco à independência do Judiciário, uma vez que o Senado já dispõe de filtros jurídico-políticos capazes de barrar iniciativas infundadas. Para Messias, retirar esse canal de participação transformaria o STF em um “legislador substitutivo”, atropelando a competência do Congresso e ameaçando a separação dos Poderes.
Ao mesmo tempo, a manifestação da AGU concorda com dois pontos da liminar: a vedação ao chamado “crime de hermenêutica” — isto é, processar magistrados por decisões ou votos — e o quórum de dois terços para abertura de processos, considerado um freio contra aventuras golpistas.
A AGU defende ainda a constitucionalidade do afastamento automático de um ministro do STF após a abertura do processo pelo Senado, para evitar interferências na instrução. Porém, considera inconstitucional a redução de subsídios prevista na lei após a denúncia, por violar a irredutibilidade salarial prevista no artigo 95 da Constituição.
Senado reage e vê “usurpação” de prerrogativas
A resposta no Senado foi imediata e em tom elevado. O presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), afirmou em plenário que não é aceitável que uma lei aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente da República seja esvaziada por decisão individual de um ministro do Supremo. Ele também falou abertamente na possibilidade de alterar a Constituição para limitar decisões monocráticas.
Alcolumbre anunciou que reunirá líderes partidários para acelerar projetos que restringem decisões individuais de ministros do STF e revisar o marco legal dos crimes de responsabilidade.
Senadores de diferentes espectros — Eduardo Braga (MDB-AM), Rogério Marinho (PL-RN), Omar Aziz (PSD-AM) e Tereza Cristina (PP-MS) — alinharam-se ao diagnóstico de que o STF rompeu o equilíbrio dos freios e contrapesos e promoveu uma “blindagem” indevida.
A extrema direita também tentou capitalizar a crise. Jorge Seif (PL-SC) chamou a liminar de “flagrantemente inconstitucional” e acusou Gilmar Mendes de criar “privilégios de casta”. A deputada Bia Kicis (PL-DF) classificou a medida como “aberração” e cobrou reação imediata do Senado. Flávio Bolsonaro (PL-RJ) falou em “lawfare institucional” contra o Legislativo.
Base do governo vê sintonia com AGU
Do outro lado, o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), lembrou que qualquer cidadão pode pedir impeachment do presidente da República e disse não haver lógica em retirar essa possibilidade em relação a ministros do STF, justamente quando a Constituição afirma que o poder emana do povo. A posição reforça o pleito da AGU e busca conter o discurso antipolítica da oposição.
STF tenta blindagem parcial para 2027, mas ponto popular segue frágil
Nos bastidores do Supremo, relatos publicados pela imprensa apontam que a liminar funcionaria como uma “vacina” para 2027, quando um Senado mais alinhado ao bolsonarismo poderia tentar submeter a Corte a uma enxurrada de pedidos de impeachment, especialmente durante a campanha de 2026.
Ministros ouvidos reservadamente avaliam que deve haver maioria para manter a espinha dorsal da decisão — como a vedação ao uso do impeachment como instrumento de intimidação e o quórum qualificado no Senado. Já o trecho que retira a legitimidade popular é considerado mais controverso e pode sofrer ajustes.
Crise institucional se aprofunda
O episódio se soma à ofensiva recente do Congresso contra o STF, que inclui pressões sobre decisões monocráticas, disputas sobre o marco temporal das terras indígenas e reações ao avanço de investigações da Polícia Federal que atingem figuras influentes do Legislativo, inclusive no caso Banco Master.
A resposta dura de Alcolumbre foi lida como um recado em defesa de aliados e aprofundou o clima de confronto.
Enquanto isso, a AGU tenta equilibrar duas direções: apoiar dispositivos que evitem aventuras golpistas contra o STF, mas rejeitar qualquer blindagem total que concentre poder excessivo na PGR ou esvazie a participação democrática.
A mensagem é clara: conter abusos, sim; amputar o controle social e parlamentar, não.
