POR DURVAL LEAL FILHO
A grande invenção da humanidade talvez tenha sido vender algo que é, por essência, um bem comum e precioso: a água. Engarrafar esse líquido vital, algo que os humanos, na sua condição “demasiado humana”, precisam em sua jornada diária, é uma ironia.
Essa jornada, que nos leva para o trabalho, também é o cotidiano da casa, do bem-estar e da tranquilidade, da evolução. Poder abrir uma torneira e ter água é uma conquista, mas essa água não é barata; essa água é cara. E fica ainda mais cara quando a prestadora de serviço, a concessionária, não entrega a água como deveria.
A água não aparece magicamente em nossas casas. Ela percorre todo um processo desde a nascente até o consumidor final. Esse serviço é uma concessão pública: o Estado concede a exploração do serviço à concessionária, que, em troca, paga uma parcela do que arrecada ao Estado.
Quem consome paga pelo serviço, mas, no Brasil, o que acontece no entorno do curso dessa água é o que mais chama atenção: desperdício e corporativismo.
Basta hoje observamos, por exemplo, a Cagepa, concessionária da Paraíba. Seus altos salários lembram o marajás: engenheiros que ganham entre 40 e 50 mil reais, mais do que juízes, imaginem; diretores com pró-labores inimagináveis, sinecuras. É uma verdadeira casta, formada a partir do enxerto político do Estado para acomodar seus apadrinhados.
Enquanto isso, a população sofre. Quem vive em bairros como Manaíra, Cabo Branco, Bessa e Tambaú, os nobres, onde o poder aquisitivo é maior e talvez seja possível pagar essas tarifas, já sofre com a falta constante de água.
Agora, imagine o que enfrenta a periferia, onde a precariedade de infraestrutura é regra, e NINGUÉM para clamar.
João Pessoa tem um sistema de abastecimento e saneamento que se expande, mas o descaso, a leniência e a incompetência da concessionária são fatos corriqueiros para a maioria da população. Não analisaremos aqui as eternas manutenção do sistema.
Quando um consumidor dos bairros nobres se queixa, se faz ouvir, mas a quem, sem além. Mas o que acontece com as reclamações da população periférica? O descaso é a resposta. Essa é a realidade cotidiana dos cidadãos que, de terceira a quinta classes, definido ao final de cada mês, recebem uma fatura com um consumo previsto, mesmo sem terem o conforto básico da água disponível quando precisam.
Assim caminhamos. Assim somos explorados por uma concessionária que, entre aspas, deveria servir ao público e que, no entanto, há 20 anos mantém uma casta com “caixas” cheias para sustentar os marajás internos.
Há duas décadas, a Estatal de energia elétrica foi privatizada. Se olharmos para os dois serviços, energia e água, prestados à comunidade, perceberemos uma diferença clara: o setor privado cobra caro, sim, mas entrega. O cenário da Cagepa é o oposto: cobrar caro e não entregar. O cidadão é excluído do serviço que lhe é essencial para a vida.
A água, a dádiva da vida, virou um luxo raro, disponível por poucas horas nas casas da periferia. Agora, a situação começa a atingir os bairros nobres, de classe média e média alta.
Até onde isso vai chegar? Imaginem… falam assim as “Patrícias e o Otacilios”.
É urgente que o modelo de trabalho da Cagepa seja revisto. É público e notório, preciso intervenção do Ministerio Público e uma auditoria do TCE. Quanto é “investido com empresas de manutenção do sistema”.
A água é cara, desperdiçada e o sistema é mal gerido, mas a casta que privilegia seus próprios interesses mantém seus altos salários e privilégios, à custa do sofrimento da população.
Observando essa situação, é difícil não ser sarcástico diante da Cagepa: uma empresa pública que mais se assemelha a uma casta privilegiada do que a um serviço público de fato. Num dado momento em que nossa cidade cresce, nossos desafios de saneamento se multiplicam, o descaso e a má administração se institucionalizam.
Enquanto isso, os engenheiros marajás desfrutam de salários exorbitantes em seus gabinetes climatizados, quando estão na empresas, diretores jubilados com pró-labores inalcançáveis, sinecuras que se repete por governos partidários e uma estrutura que parece blindar a negligência e a ineficiência com um manto corporativista.
A população? Ela continua sofrendo, pagando contas que muitas vezes não correspondem ao serviço recebido, ou sequer recebendo o serviço básico.
A constância das interrupções na distribuição não é acidente, nem contingência; é sinal de uma gestão selvagem, de um sistema à margem da ética pública. Nesse contexto, a crítica não poderia deixar de ser amarga e cáustica: a Cagepa virou um exemplo vivo de como um serviço público essencial pode ser sabotado de dentro para fora, numa dança de interesses políticos, econômicos e corporativos.
Ela é uma espécie de “CARRAPATO” burocrático, sugando recursos e deixando a população sedenta.
A memória crítica, portanto, não é apenas uma lembrança. É um instrumento de defesa da cidadania. Sem ela, os esquemas se repetem, a impunidade prevalece e a população segue vítima de um ciclo de exclusão, exploração e sofrimento.
Resgatar essa memória, pensar criticamente as práticas que nos atravessam e consolidar um olhar coletivo crítico sobre o público e o privado no Brasil é o caminho para tornarmos a vida, inclusive a jornada mais simples, como abrir a torneira, um direito efetivo, jamais um luxo ou uma moeda de troca.
A INDIGNAÇÃO DO MEU AMIGO ONILDO GOMES FILHO.
