A falácia da desistência voluntária

Jair Bolsonaro e militares
Foto: Fernando Souza/AFP

A conclusão do julgamento da trama golpista pela 1ª Turma do STF já deixava muito clara a evidência de que houve, de fato, o planejamento de uma ruptura institucional e o início de sua execução, ainda que não consumada. O embargo de declaração interposto pela defesa do ex-presidente sustenta que teria havido, por parte do réu condenado, uma “desistência voluntária” de prosseguir com o plano. Podemos deduzir, portanto, que há, nesse argumento, a confissão do crime de tentativa de golpe.

Os atos de planejamento e de preparação para um golpe de Estado configuram, por si só, crimes previstos na legislação brasileira. Não há dúvidas, conforme se depreende dos autos, de que foi constituída uma rede de articulação com definição de estratégias operacionais voltadas à deposição de um governo legitimamente eleito. Não se tratou, portanto, de mera cogitação.

Ainda que a abolição do Estado Democrático de Direito — como arquitetada — não tenha alcançado êxito, é impossível desconsiderar a intenção criminosa de realizá-la, à luz do que dispõe o Código Penal. O argumento apresentado pela defesa revela, explicitamente, o propósito de afastar as responsabilidades do réu, a despeito das fartas provas que constam do processo.

Aceitar a tese da “desistência voluntária” seria perpetuar a tradição de impunidade dos adversários da democracia, recorrente ao longo de nossa História republicana. Se a defesa admite que “não houve prosseguimento do suposto percurso” da empreitada golpista, é indubitável que ela foi iniciada — logo, houve dolo e execução. Esse instituto jurídico, invocado no âmbito do Direito Penal, não encontra amparo em nenhuma fase dos eventos que compuseram o projeto golpista. Pelo contrário, a atuação do ex-presidente é perceptível na totalidade dos fatos conspiratórios que culminaram no movimento de 8 de janeiro de 2023.

A doutrina e a legislação penal brasileira concebem a desistência voluntária como manifestação inequívoca de arrependimento por parte do agente. Jamais houve qualquer declaração nesse sentido. Pelo contrário, o ex-presidente manteve-se, em todo momento, como líder e comandante da conspiração. Não se verificou qualquer interrupção espontânea do curso dos atos.

Sua equipe de defesa cumpre, evidentemente, a obrigação profissional de buscar a absolvição de seu cliente. Para isso, recorre a todas as teses possíveis, mesmo ciente da fragilidade de muitas delas. Trata-se de um esforço derradeiro, enquanto o processo ainda não atingiu a fase do “trânsito em julgado”, quando se encerra definitivamente a possibilidade de alteração da sentença.

Como a batalha judicial prossegue, a defesa entende ser legítimo exaurir todos os recursos assegurados pelo ordenamento jurídico e pelo regime democrático. É o exercício do sagrado direito de defesa. Contudo, convenhamos: o princípio da “desistência voluntária”, ao ser invocado, apenas reforça a evidência de que a trama golpista existiu e foi iniciada — colocando, portanto, o ex-presidente na condição de réu confesso. A não ser, é claro, que tudo não passe de uma tática para tentar a redução da pena.

Mais Posts

Tem certeza de que deseja desbloquear esta publicação?
Desbloquear esquerda : 0
Tem certeza de que deseja cancelar a assinatura?
Controle sua privacidade
Nosso site utiliza cookies para melhorar a navegação. Política de PrivacidadeTermos de Uso
Ir para o conteúdo