A PEC que propõe o fim da escala 6×1 na jornada de trabalho no Brasil vem suscitando um caloroso debate. No meu entendimento, esse é, inclusive, o principal mérito da proposta: retomar uma discussão extremamente necessária, envolvendo trabalhadores, classes empresariais, políticos e governo. Sabemos que a redução da jornada de trabalho tem sido pauta recorrente ao longo de nossa história. No entanto, a última vez em que houve uma definição concreta foi na Constituição de 1988, quando o tempo de trabalho semanal foi reduzido de 48 para 44 horas. Desde então, diversas tentativas de promover novas reduções chegaram ao Parlamento, mas sem sucesso — todas arquivadas pelas mesas diretoras do Congresso Nacional.
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Atualmente, outras duas PECs sobre o tema tramitam na Câmara e no Senado. Uma delas, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), está parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) desde 2015. A outra, apresentada em 2019 pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), também não avançou.
A Emenda Constitucional proposta pela deputada Érika Hilton (PSOL-SP) trouxe a repercussão necessária para que o tema volte ao centro do debate público, ouvindo-se as partes diretamente interessadas. A principal mudança por ela sugerida altera o Art. 7º, inciso XIII, da Constituição: “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”. Ela se inspirou numa iniciativa do vereador carioca Rick Azevedo, idealizador do movimento Vida Além do Trabalho.
Como cidadão, tenho o direito e o dever de refletir sobre a importância desse debate tão relevante e oportuno. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que se trata de uma luta desigual, pois coloca em lados opostos a classe trabalhadora e os empresários, cada qual defendendo seus interesses e apresentando seus argumentos. Enquanto os empregadores resistem às mudanças, buscando manter ou ampliar o tempo de trabalho, os trabalhadores lutam por reduzi-lo sem prejuízo salarial. Essa tensão entre capital e trabalho é histórica.
Desde a Constituição de 1988, alguns avanços foram conquistados por categorias com maior força de mobilização por meio da negociação coletiva. Contudo, tais conquistas ficaram restritas às representadas por sindicatos fortes, capazes de superar o bloqueio patronal. Muitos trabalhadores no Brasil já usufruem da jornada 5×2. Portanto, não é justo manter o tratamento diferenciado para aqueles menos assistidos por suas entidades representativas ou sem organização política.
A verdade é que toda alteração na legislação trabalhista que favoreça o trabalhador provoca a mesma reação previsível dos capitalistas, que afirmam: “o Brasil vai quebrar”. Esse argumento foi usado na luta pela abolição da escravidão, nas reformas trabalhistas de Getúlio Vargas, na implantação do 13º salário no governo João Goulart, e em 2003, quando Lula determinou que o aumento do salário mínimo deveria ter ganho real acima da inflação. Em todos esses casos, o anunciado desastre jamais se concretizou. Pelo contrário: a economia foi fortalecida.
Em abril de 1962, o jornal O Globo — sempre ele — publicou, em sua edição do dia 26, a preocupação dos empresários com a gratificação natalina: o 13º salário. Em manchete alarmista, afirmava: “Considerado desastroso para o país um 13º mês de salário”. Essa choradeira é antiga e recorrente sempre que surge alguma proposta que amplie direitos trabalhistas. E, como sempre, o desastre apregoado nunca veio.
Não estou aqui defendendo a PEC exatamente como apresentada. Mas vejo nela uma grande oportunidade para que algo seja feito no sentido de desobrigar o trabalhador submetido à jornada diária de oito horas, com apenas um dia de descanso semanal, a um regime que compromete sua qualidade de vida e afeta sua saúde mental. Esse modelo de exploração precisa, indiscutivelmente, ser modificado.
A mudança deve buscar o equilíbrio entre as necessidades das empresas e o direito dos trabalhadores a uma vida digna, com condições de trabalho que não provoquem danos à saúde e ao bem-estar. A adoção de uma escala 4×3 na PEC me parece seguir a conhecida estratégia de negociação: pedir mais para conseguir algo intermediário, viável e implementado de forma gradual, mediante análise realista e cuidadosa.
O mais importante é consolidar o entendimento majoritário de que “do jeito que está não pode continuar”. A proposta representa apenas mais um passo no longo caminho que ainda temos a percorrer no Brasil para definir regras mais justas sobre o tempo de trabalho em todas as suas dimensões. A PEC é oportuna e imprescindível.
