Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

Triste memória de um primeiro de abril


23/05/2015

Foto: autor desconhecido.

 

Ao acordar cedinho no dia primeiro de abril de 1964, como de costume, por conta da necessidade de me organizar para ir ao colégio, percebi meu pai conversando com o nosso vizinho, o radialista Gilberto Patrício, que lhe informava dos acontecimentos da madrugada que pegaram de surpresa toda a nação brasileira. Os militares haviam deposto o presidente João Goulart e constituíram o “Comando Supremo da Revolução” com o propósito de implantar um governo de força, na verdade uma ditadura militar.

Quisera Deus que essa notícia tivesse sido uma brincadeira, de mau gosto por sinal, comum ao conhecido “dia da mentira”. Infelizmente não era. Mergulhamos a partir daquele dia no mais cruel e sanguinário período da nossa história. E isso durou mais de década.

Não compreendia, naquele momento, a gravidade da ocorrência. Pelo contrário, os comentários que ouvia eram de pessoas que se posicionavam contra o governo e que, de certa forma, apoiaram e estimularam, equivocadamente, a intervenção militar. Fundamentava essa posição política o receio de que estivéssemos sob a ameaça de uma esquerdização do país com a implantação de um regime comunista. A classe média, influenciada por setores da imprensa, do empresariado, dos produtores rurais e parte da igreja católica, que pregavam a conveniência de reação às ideias reformistas dos que participavam do grupo político ligado ao governo, recebeu a notícia com uma sensação de certo alívio.

Não imaginavam o que estava para acontecer. Muitos dos que aplaudiram o golpe, pouco tempo depois, já se manifestavam preocupados com o rumo político que o país estava tomando. Era tarde, a desgraça estava consumada. Fomos submetidos ao mais atroz e truculento sistema de governo já vivenciado no Brasil.

Fui, naquela época, um expectador dos acontecimentos, sem a noção exata das consequências sociais e políticas dos fatos que tomávamos conhecimento naquele dia. Muitos dos brasileiros estavam numa situação igual a minha, envolvidos por uma onda classificada como revolucionária, mas que não passava de uma estratégia para inibir os avanços democráticos que o país estava vivendo. Fomos vítimas da nossa boa fé. A ignorância política nos levou a aceitar as circunstâncias como adequadas para aquele momento.

Acompanhei os desdobramentos desse fatídico episódio e pude ver o quanto o povo brasileiro foi enganado em sua postura de confiança por aqueles que se diziam defensores da ordem democrática, da segurança nacional e da proteção contra a comunização do país. Perdemos a liberdade, estabeleceu-se um regime de opressão, perseguição, tortura e violência, consolidou-se um estado de medo, submissão aos poderosos de plantão, constrangimento, pânico.

Hoje vejo que não poderia ter data mais apropriada para o golpe do que o dia da mentira. E por essa causa procuraram oficializar, o que chamaram de “revolução”, o dia 31 de março. Fizeram uso de uma propaganda orientada pelo governo americano para colocar na mente de muitos dos brasileiros de que era preciso derrubar um governo constitucionalmente instalado, a fim de que a nação fosse salva do perigo da implantação de uma ditadura comunista. Veio, por efeito do golpe, uma ditadura militar de direita, massacrando o povo, levando ao sacrifício da tortura e da morte qualquer pessoa que se insurgisse contra os posicionamentos dos estavam no poder. Triste memória. Roguemos a Deus para que nunca mais sejamos ludibriados por mentiras que sacrifiquem a democracia e o povo.

• Integra a série de textos “INVENTÁRIO DO TEMPO II”.

 


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