Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

Saudade dos Festivais da MPB


25/05/2015

Foto: autor desconhecido.

 

Tenho saudades dos Festivais da MPB. Através deles a música popular brasileira se consolidou efetivamente. Era um momento em que, segundo Menescal, “vivíamos uma onda de criatividade, numa confluência de gêneros musicais”. Num momento histórico nacional de grande conflito político e ideológico, os festivais passaram a ser importante instrumento de manifestação contestatória ao sistema vigente, a ditadura militar que se instalou no país em 1964.

A Era dos Festivais teve início em abril de 1965, quando a TV Record promoveu o primeiro evento desse tipo na música brasileira. A apoteose com que foi aclamada a interpretação de Elis Regina ao defender a música vencedora, Arrastão, composta por Edu Lobo e Vinicius de Morais, abriu com chave de ouro esse novo tempo da canção nacional. O sucesso foi tão grande que estimulou a realização de vários outros, até 1985.

No entanto, a fase áurea dos festivais foi na segunda metade dos anos sessenta, perdendo força a partir da edição do AI5, quando se instituiu a censura prévia e muitos dos compositores e intérpretes, que se consagraram nesses certames musicais, tiveram que abandonar o país por exigência dos ditadores.

Nesse período as canções apresentadas nos festivais ganharam um cunho social, diferenciando-se dos temas românticos dos sambas, do caráter intimista da bossa nova e do comportamento cotidiano da juventude alienada, explorada pela Jovem Guarda. As músicas passaram a transmitir mensagens, muitas delas subliminares, na intenção de conscientizar politicamente quem as ouvia. O público alcançado por esse movimento pertencia majoritariamente à classe média e era, na grande parte, constituído por intelectuais, artistas e a juventude estudantil, universitária e secundarista. A mocidade engajada politicamente lotava os locais onde os festivais se realizavam. A televisão levava ao país inteiro esses espetáculos que faziam multidões delirarem e torcerem apaixonadamente pelas músicas de suas preferências. A sociedade brasileira começou a perceber que ali se encontrava a maneira mais inteligente de expressarem seu descontentamento com o “status quo”.

Isso assustou os militares que obrigaram os artistas a submeterem suas músicas à análise dos censores do DOPS – Delegacia da Ordem Política e Social, antes da apresentação oficial, o que fez com que alguns deles se valessem do artifício de usarem pseudônimos como autores das canções a eles oferecidas para receberem aprovação. Chico Buarque, por diversas vezes, registrou suas músicas com o pseudônimo de Julinho de Adelaide.

Os festivais da MPB revelaram grandes nomes que fizeram a música brasileira ser respeitada em todo o mundo. Dessa época surgiram Chico Buarque de Holanda, Vinicius de Moraes, Geraldo Vandré, Edu Lobo, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gonzaguinha, Guilherme Arantes, Tom Jobim, etc. como compositores. E Elis Regina, Nara Leão, Jorge Ben, Oswaldo Montenegro, Jair Rodrigues, Jessé, etc. os intérpretes.

Músicas se imortalizaram e são cantadas até hoje, tais como Porta Estandarte (Geraldo Vandré), A Banda (Chico Buarque), Disparada (Vandré), Ponteio (Edu Lobo), Domingo no Parque (Gilberto Gil), Roda Viva (Chico Buarque), Alegria, Alegria (Caetano Veloso), Travessia (Milton Nascimento), Sabiá (Chico e Tom Jobim), Para Não Dizer que Não Falei em Flores (Vandré), É Proibido Proibir (Caetano), Fio Maravilha (Jorge Ben), Eu Quero é Botar meu Bloco na Rua (Sérgio Sampaio), Bandolins (Oswaldo Montenegro), Foi Deus que Fez Você (do paraibano Luis Ramalho, interpretada por Amelinha), etc.

Somos um país rico em suas manifestações culturais. Não podemos continuar reféns da indústria fonográfica, obrigados a ouvir músicas que têm como único objetivo promover ganhos financeiros para seus promotores, e consumidas por uma massa que não valoriza as letras e as melodias. Os festivais voltariam a nos oferecer a oportunidade de redescobrir talentos em competições onde se destacariam aqueles que realmente fazem a boa música. A verdadeira MPB voltaria a ser engrandecida com canções que nos enchessem de orgulho pela competência artística dos nossos compositores e cantores, muitos deles desconhecidos porque não encontram espaço no mercado atual.

*Integra a série de textos “INVENTÁRIO DO TEMPO II”.


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