Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Samba


21/07/2015

Foto: autor desconhecido.

Desde a década de 80 que o Cinema tomou para si o tema do imigrante. Se não me engano o primeiro desses filmes a chamar à atenção para o assunto foi : My Beautiful Laudrette! O ano era 1986 e eu estava estudando na Inglaterra. Igualmente uma estrangeira, mas sem viver a violência daqueles Paquistaneses. Depois assisti à: Um Código Desconhecido, Casa de Areia e Névoa, Coisas Belas e Sujas, Entre os Muros, Minha adorável Jerusalém, e até mesmo o Jean Charles, conhecendo assim a trajetória dos brasileiros ilegais na cidade de Londres, com aquele desfecho tão triste que conhecemos.

Samba, ( Olivier Nakache e Eric Toledano) foi o mais recente. O título não se refere ao ritmo brasileiro de cara, mas ao nome do protagonista, vivido pelo belo ator africano, Omar Sy. E conta a estória dos imigrantes, em busca de um lugar ao sol na cidade luz. Um filme que mostra a realidade triste de milhares de estrangeiros que se debatem por um documento, um trabalho, e uma cidadania. Mas que, o toque do humor ácido nos enche de empatia por aqueles que não falam a língua do país, não gesticulam da mesma forma, e não sabem traduzir a sua ânsia.

Mas Samba também tem Samba! Através de outro personagem Argelino ,mas que se passa por brasileiro pois ouviu dizer que essa nacionalidade faz sucesso com as mulheres. E esse falso malandro/brasileiro tem o seu charme tão exuberante que é o responsável pela cena mais hilária do filme, quando , limpando vidraças e pendurado nas alturas, faz um número de strip-tease, para mulheres executivas que enlouquecem ao ver aquela cena surreal , solta assim no espaço, se desmanchando no ar, e de sensualidade num palco imaginário. Aliás, um palco que nem bunda de bebê, de Gilberto Gil.

Samba, é um negão belo, de olhar triste/alegre, que está a trabalhar num restaurante, no último dos corredores da hierarquia trabalhista: lavando pratos! Mora com um tio, e em muitas horas olha no infinito, quem sabe com um olhar de banzo, nostálgico pela sua terra distante. Paris é uma selva! E não só para os imigrantes. Samba encontra no seu caminho solitário, uma assistente social, Alice, vivida por Charlotte Gainsbourg (Melancolia, AntiCristo, Ninfomaníaca, atriz que faz sempre papéis depressivos), e assim é chamada pelo tio de Samba: a depressiva! Alice, teve um burn-out! algo como estafa profunda! Um surto! Surtou de atender às demandas do mundo. Trabalho, metas, eficiências. Foi afastada do trabalho e como parte da sua recuperação foi trabalhar numa Ong de acolhimento aos imigrantes . E lá ouviu de outra advogada: “Não se envolva! Não chegue perto!”. E ela silenciosa e assustada, ouve as estórias de Samba com empatia e compaixão. Pronto! O suficiente para lhe oferecer uma barrinha de cereal e depois muito mais.

O melhor de se ver é que, Samba não tem nada nessa vida: não tem visto, não tem trabalho, nem documentos, nem casa, nem dinheiro, e já não sabe quem é de tanto que troca de nome. Mas é justamente esse entre-lugar do não ter nada que, Alice se encanta. Samba tem uma certa inocência no ser feliz /ou de aproveitar o que tem, ou ainda de querer ter algo, que seduz Alice de imediato. Sem falar no seu físico de ébano! E Alice também no momento não tem nada a oferecer. Mas no meio do nada, ela demonstra desamparo; e desse desamparo Sampa conhece. E os dois vão se seduzindo no meio das ausências e faltas de cada um, nos mostrando que, no afeto, não precisamos de passaporte.

Dentre as cenas mais hilárias destacaria a do shopping Center, onde Samba vai trabalhar de segurança noturno. E quando se vê sozinho, em silêncio doído, diante do templo do consumo e do barulho, faz uso da imaginação, essa louca da casa, e se imagina por entre uma plateia invisível, e se põe a dançar com os bonecos da decoração, nos relembrando também as lindas cenas em que protagonizou no seu outro filme igualmente espetacular – In-tocáveis, ambos do mesmos diretores e roteiristas

Gainsgbourg também mostra seu talento no pirepaque que dá quando pressionada por Samba, no seu trabalho de Assistente Social. Impotente quanto ao destino de Samba, Alice Explode! e nós expectadores tomamos contato com o seu estado limite de burn-out! Uma mistura de desespero, encurralamento e histeria.

Mas uma outra cena a destacar é a cena da festa de confraternização entre os funcionários da imigração junto com os estrangeiros em busca de visto. Uma funcionária já de idade, para espanto de todos, se põe a cantar Bob Marley, e a dançar pelo salão, sem lenço e sem documentos literalmente. Da plateia, dançamos juntos!

O tio de Samba, aquele que o acolhe, também é uma figura ímpar. Exilado em Paris há anos, e trabalhando na cozinha, sabe bem do seu lugar entre os franceses. Se quiser salvar a pele tem que ser invisível! profetiza. Sonha em voltar à África e se tornar rei! Tarefa impossível, mas que metaforicamente ao final do filme, seu sobrinho irá ostentar. Quem não tem o reinado, pode ter pelo menos os cavalos (tanto amado por Alice e por ele próprio) a fazer a corte! Seu tio, lhe ensina alguns truques de como parecer um europeu: casaco ¾, camisa social, e o principal – uma revista embaixo do braço. E assim ele vai pelo metrô, mas para sua surpresa, há algo de maior na pele de um estrangeiro! E ele não convence. Todos lhe olham com olhar de soslaio! Comendo-lhe com os olhos e lhe desnudando a legenda de imigrante. Nossa cultura e costumes talvez ande por lugares mais subjetivos que um sobretudo; nosso sotaque; nosso movimento ao andar; entonação. Nós, que trabalhamos com língua estrangeira, bem sabemos do que falamos. A fonética, o ritmo e outros aspectos da língua, transcendem o simplesmente Bon Jour! E Samba falava francês como primeira língua, mas sua ancestralidade era Africana e estrangeira, e como tal, quem há de negar que essa lhe é superior?

E na selva do outro e do lugar do outro, também aparece Jonas, um outro africano, que Samba conhece na prisão. E no personagem de Jonas vimos como tem pessoas que estão sempre à margem, pouco importa a fronteira física ou simbólica. Jonas não tem noção de perigo e o seu temperamento explosivo e irresponsável estão sempre a depor contra si mesmo. Primeiro num quase fugir da prisão; mais tarde em insistir em informações sobre a vida da amada, de nome revelador – Graciosa; e por fim indo tirar satisfação sobre algo que já não lhe dizia respeito. Resultado? Numa tragédia anunciada, troca de casaco com Samba, e como se mudasse de pele, mas não de instinto, revela que o seu destempero é maior e o rio Sena também. Samba faz jus ao seu nome e tem cadencia na sobrevivência. Numa ironia do destino finda conseguindo o que quer.

Pelo jeito, Alice se recompõe através da entrega e do afeto, e consegue enfrentar a vida. E Samba desfila pelas ruas de Paris. Com carruagem e cavalos à sua volta, mesmo que seja numa coincidência de imagem sobrepostas, mas que, lhe dão a devida postura de um rei. O rei de si mesmo!

Take it easy my brother Charlie / Take it easy meu irmão de cor (Jorge Benjor)

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa 20/07/2015


O Portal WSCOM não se responsabiliza pelo conteúdo opinativo publicado pelos seus colunistas e blogueiros.
Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.