Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

Quando meu pai tornou-se imortal


04/10/2015

Foto: autor desconhecido.

 

Há sempre uma indagação sobre o sentido da imortalidade atribuída aos integrantes das academias literárias. Não se trata da imortalidade física, mas da condição de perenidade da sua obra intelectual. Ao acadêmico se outorga simbolicamente a situação de perpétua memória nas gerações que o sucedem, em razão dos seus feitos no campo da literatura. Jamais será esquecido.

Josué Montelo ao assumir a cadeira na Academia Brasileira de Letras falou: “Nossa imortalidade, ao contrário do que se presume lá fora, não é a vida perene, é apenas o nome repetido”. Quis dizer com isso, que ao ingressar na Academia, passaria a ter seu nome sempre citado pelos sucessores, numa espécie de veneração afetuosa, fazendo com que se preservasse a memória da sua produção intelectual.

Em sete de dezembro de 1978 viví a alegria e o orgulho de ver meu pai ganhar a imortalidade acadêmica. Tudo começou com surpreendente convite formulado pelo desembargador Aurélio de Albuqerque, então presidente da Academia Paraibana de Letras, a meu pai: “Deusdedit, você é um bom pesquisador e por isso gostaria de lhe fazer um desafio. Nós temos na Academia uma cadeira vaga. Parece-me que ninguém ainda se habilitou a preenchê-la porque o seu patrono é quase um desconhecido. Trata-se da cadeira de número 16. Você sabe alguma coisa sobre Francisco Antônio Carneiro da Cunha?”

Mais surpreso ficou ainda o presidente quando, sem pestanejar, meu pai passava a lhe informar alguns dados biográficos daquele ilustre conterrâneo. Foi o bastante para que sugerisse o seu nome como candidato àquela cadeira. A circunstância do desconhecimento geral da vida do Coronel Carneiro da Cunha, condição exigida para quem quisesse concorrer à sua cadeira, evitou disputa, tornando-o único candidato inscrito, sem a necessidade, portanto, de ir em busca da conquista votos.

Na modéstia que era característica da personalidade de meu pai, nunca havia passado pela sua cabeça a possibilidade de merecer tal honra. Era um autodidata. Sua formação escolar se findara no quarto ano primário. Aprendera percorrer os caminhos da literatura por si só, pesquisando, dando oportunidade a sua curiosidade em querer desvendar conhecimentos ignorados publicamente. Dedicava-se aos estudos da genealogia, da heráldica e da história, como quem se entrega aos prazeres de um divertimento. E assim construiu sua obra bibliográfica, com a edição de quinze livros.

Naquele momento, a Paraíba manifestava reconhecimento do seu valor intelectual. Embora na atualidade assuma uma postura madrasta ao negar-lhe reverência de memória. Não há sequer uma rua ou uma escola, com seu nome. Nem mesmo na sua cidade natal, Cajazeiras, à qual devotava um grande amor. A condição de integrante da Academia Paraibana de Letras, que lhe era conferida naquele dia, garantiu, no entanto, a sua imortalidade como cultor das letras evitando cair no esquecimento.

• Integra a série de textos “INVENTÁRIO DO TEMPO II”.

 

 


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