Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Brasil

O último discurso de Jango como presidente


25/07/2024

João Goulart, no dia 30 de março de 1964, ao acabar de redigir o discurso que faria à noite numa solenidade de sargentos da Polícia Militar e Forças Armadas do Brasil, no Automóvel Clube do Rio de Janeiro, telefonou para Tancredo Neves para quem fez a leitura do texto. Na verdade, desejava saber o que ele achava do pronunciamento. A resposta não foi a que ele esperava: “Belo discurso, mas talvez lhe custe a Presidência da República”. Foi profético.

Mesmo sendo advertido, também, por vários assessores de que o seu comparecimento à reunião para a qual teria sido convidado representaria uma provocação ao oficialato que já o via como apoiador da quebra da disciplina e hierarquia por militares subalternos, não recuou de sua decisão em se fazer presente ao evento organizado pelos sargentos no Automóvel Clube.

No entanto, decidiu falar de improviso. Falou sobre suas reformas de base, rebateu as críticas de que fosse contra a família e a Igreja Católica e atacou os “sabotadores” e “reacionários”, chamando-os de golpistas. Foi enfático: “Não admitirei o golpe dos reacionários. O golpe que nós desejamos é o golpe das reformas de base, tão necessárias ao nosso país. Não queremos Congresso fechado. Ao contrário, queremos Congresso aberto. Queremos apenas que os congressistas sejam sensíveis às mínimas reivindicações populares”.

O tom do discurso foi visto pelos conspiradores como uma posição de radicalização. Jango tinha a ilusão de que aquele auditório, onde se encontravam cerca de dois mil sargentos, em sua maioria da Polícia Militar, oferecia apoio à preservação do seu mandato. Não foi o que ocorreu. O senador Ernâni do Amaral Peixoto, após ouvir o discurso, vaticinou: “O Jango não é mais Presidente da República”.

O que se sabe é que o Golpe já estava em curso desde o dia 28, e não haveria alteração no movimento militar que pretendia retirá-lo do poder, mesmo que o discurso fosse outro. Serviu, então, como pretexto para que fosse deflagrado o processo de ruptura democrática pelos militares. Na madrugada do dia 31 o general Olympio Mourão Filho, chefe do 4º Exército, em Minas Gerais, acionou um levante militar com destino ao Rio, dando início ao golpe que instaurou uma ditadura que durou 21 anos.

Foi o último ato do governo João Goulart, bem como sua última aparição em público.


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