Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Não Fazer Nada


13/05/2015

Foto: autor desconhecido.

Sou uma pessoa que não tem nenhuma dificuldade em ficar sem fazer nada. Não sinto angústia de ficar parada. Parada e/ou em movimento, para mim são partes do mesmo ofício. Nunca consegui planejar algo a longo prazo tão pouco. Mas não sou zen, nem isso é uma escolha. A vida me leva, sem Zeca Pagodinho para me ditar caminhos. O tempo não se configura assim para mim. Tenho desejos e vontades e vou fazendo. Claro que, quando fui casar, escolhi uma data; quando fiz um concurso, estudei; para viajar escolho o dia e corro atrás. E penso na vida. Muito! Mas não sou obstinada, nem lanço uma flecha para algo, e vou ferozmente em busca daquilo. Sou diletante. Um defeito? Preguiça? Qualidade? Não sei. Uma característica, talvez.

E …, sigo a vida. E gosto quando não faço nada. E não fazer nada para mim é não ter que trabalhar, sair ao Banco, à feira, resolver coisas. Ficar de bobeira, ao léu, entregue ao dia. Tem pessoas que se assim o fazem sentem o tempo correr e a angústia de estar perdendo tempo. Ouvi muitas vezes dizerem que dormir é perda de tempo. Para mim, desde cedo, dormir era ganhar tempo. Acordar animada, em paz, cheia de energia e com a alegria vibrante de encarar o que fosse. E não foi uma escolha deliberada. Sou assim.

Claro que sempre temos o que fazer. E trabalhar é preciso. E trabalho desde sempre. E sou cumpridora das minhas obrigações. E mais ainda dos desejos. Sigo também meus sentidos e instintos. Mas estou sempre procurando aliar trabalho, estudo e lazer a um só tempo, como prega Domenico De Mais, no seu Ócio Criativo. Mas quando tenho uma lista grande de coisas chatas a cumprir, já me peguei rasgando os itens e me entregando ao luxo de uma soneca à tarde. Sem culpas! Depois retomo à lista e vamos lá!

Sou desorganizada também. Mas com o tempo, descobri que todos somos em algum aspecto do dia ou da vida. Tem gente que é compulsivo por arrumação e rigidez. Quando a gente vê, é um poço de caos nos afetos. Ou atrasa as contas. Ou adia tudo. Tenho organização própria no meu caos todo meu. Possuo agenda. Cumpro prazos. Gosto das contas em dia. Mas procrastino o que me dá aflição. Vou adiando, adiando, até que…tenho que fazer na marra! Também escrevo cem vezes a mesma tarefa na agenda…

Não acho ruim não ter programas para o final de semana. Pelo contrário. Adoro não ter nada. O dia ao meu bel prazer. Filhos crescidos. Casa vazia. E Claro, preferia e muito estar com o meu amado ao lado. Mas a vida nos prepara circunstâncias estranhas. E me pego em paz com minha solidão. Tem praia. Amigas. Livros. TV. Uma volta no shopping, ou na calçadinha, um jornal, um café, e quando dou por mim, o domingo morreu! Se tenho um evento, já é uma festa. No quesito festejos, me contento com pouco. A imaginação é boa companhia. E o espaço da casa me harmoniza internamente. Bachelard sabia disso! Minha casa me acolhe. Não tenho medo de ladrão nem de alma! Mas tenho outros tão mais sinistros…E fico muito bem com um copo de cerveja, uma taça de vinho, uma xícara de café, jornal do dia, um programa na TV que gosto, um poema que me espante – pouco não? Só não lido bem com aperreios de dinheiro e de saúde. Não nessa mesma ordem. O mosquito da dengue zumbindo e eu já aflita. Ter viroses, mal estar, fadigas e etc, não gosto. Ninguém gosta. Mas para minha surpresa, me descobri forte para outras enfermidades. A dos outros. Sou uma boa enfermeira! Tive que ser.

Morar na minha cidade hoje me dá segurança, a subjetiva. Gostaria sim, de poder passar tempos em outros lugares. Experimentar a brisa de alhures. Este calor já não me agrada. Já não vou tanto à praia. E a quentura me dá dor de cabeça. O frio e os parques e o ar fresco das manhãs dos países temperados me fascinam. Quem dera! A contemplação também me completa. O silêncio. Gosto de conversar . Mas confesso que, com essa vida reclusa, já não tenho tantas companhias assim, nem assuntos.

Não sou uma dona de casa exemplar. Aliás, não tenho a pretensão de ser exemplar em nada! Assumo com uma certa tranquilidade o tamanho das minhas pernas e das minhas limitações. Arrumação de casa, faxina e tirar o pó, não faço muito. Nem tenho agonia por tudo limpo. O suficiente somente. O cachorro late! O telefone toca! Boto uma música. E por vezes me pego até cantando, viu Chico? A semana me consome com as leituras de trabalho. As aulas. Os alunos. A UFPB. Sábado pela manhã gosto de feira e frutas. Uma cerveja gelada antes do almoço. Uma soneca. Um filme. Uma caminhada. E fico feliz com isso. Domingo sem hora. Pela manhã sempre escrevo. Estudo. Trabalho. Sou matinal! E a noite já não me tem tantos apelos assim. Mas, quando a lua está cheia, me pego uivando. Depois….depois. E assim a vida segue. Sem muitos mistérios nem grandes acontecimentos. Nem pequenos. Um dia por vez. Sou uma mulher comum. Mas quando quero também sei ser extraordinária. Chuto o balde às vezes. Vou embora prá Pasárgada outras. Emudeço. Choro. Dou gargalhadas também. E agradeço.

E lá nave vá! Com saudades! Mas lá fora não está chovendo!

Ana Adelaide Peixoto – 05 de maio, 2015


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