Alberto Arcela

Publicitário e jornalista

Cultura

Falta de sintonia


17/09/2023

Foto: Reprodução

Não lembro o ano em que o fato em questão aconteceu, mas na época foi um balde de água fria na minha trajetória como profissional de criação em agência de publicidade.

Nesse tempo, trabalhava com Genival Ribeiro, e vivia na ponte aérea, ora no Rio de Janeiro, ora em São Paulo, produzindo jingles e filmes, para grandes clientes como o grupo São Braz e outros nomes de peso.
A agência havia conquistado os seus primeiros prêmios regionais, e por isso não foi difícil para mim sugerir uma parceria com o cantor e compositor Moraes Moreira para o lançamento de um vinho produzido no sertão da Paraíba.

O artista, que vinha dos Novos Baianos, havia composto por esse tempo a canção Sintonia e acabara de instalar o seu estúdio República da Música no bairro do Leme, na zona sul carioca. Um achado para o cliente e para a agência, porque o jingle em questão seria o primeiro produto da nova empresa.

Por isso, agarrei a oportunidade como um náufrago ao avistar um barco ao longe e mergulhei de cabeça no projeto. Afinal de contas, ia ser parceiro do autor de Festa do Interior, Pombo Correio e, claro, Preta, Pretinha, que eu aprendi a tocar no violão para impressionar uma aluna do Estadual do Roger.
Era muita areia para meu caminhão Tinha de ser rápido e objetivo para não dançar como a menina da canção do grupo. E cair na estrada, ou melhor, embarcar o quanto antes num voo da VASP, que era conhecida como a viação aérea sem pressa.

E foi o que fiz num domingo chuvoso, já que a primeira reunião estava marcada para a segunda-feira,lá mesmo no estúdio, com a lenda em carne e osso que, por incrível que pareça, foi até me pegar no hotel, da rede Atlântico, na praia de Copacabana, num Opala de luxo.

Resumo da ópera. Não só fomos, como também fizemos uma canção que tinha a mesma pegada de Sintonia. E, ao final, acertamos que a música seria gravada já no dia seguinte.

Moraes estava satisfeito com o resultado, de modo que terminamos o dia jantando no Marius, um dos mais tradicionais restaurantes da zona sul, por conta da casa.

E o sonho não acabou por aí. Mal sabia eu que ele recrutara a turma da Cor do Som, Mu e Dadi à frente, para tocar os instrumentos – fazer a base como se diz – e fazer os vocais sob o olhar atento de Davi, que devia ter uns dez anos na época.

O clima no estúdio era de euforia, e eu confesso que senti uma pontinha de orgulho de fazer parte momentaneamente daquele time que fazia e acontecia na música popular.

Um salto extraordinário para mim, que já havia gravado com o Boca Livre e com a banda que acompanhava Gal Costa, numas vinhetas para rádio e na regravação de um hino para um candidato a governador.

De repente, não mais que de repente, artistas de duas das mais importantes bandas do país, se reuniam para tocar no jingle de um vinho paraibano.

Mais tarde, senti essa mesma emoção quando dirigi um clipe com Elba Ramalho cantando Ai que saudade de ocê, de Vital Farias, para uma campanha de turismo.

Mas, voltando ao trabalho no Leme, devo confessar que voltei para casa com a fita gravada, achando que era gente. E com vontade de chamar ainda mais gente como no frevo de Moraes.

Pena que o filme que passou pela minha vida num tempo distante, não teve um final feliz, porque o cliente achou a música muito sofisticada para o público alvo dele.
Tinha de ser alguém como Genival Lacerda, com quem gravei alguns meses mais tarde na feira de São Cristóvão.

O fato é que depois disso tive de me valer de Einstein para descobrir que na vida, e também na arte, tudo é relativo e às vezes é melhor varrer, com a vassourinha elétrica, a decepção para debaixo do tapete.
Vida que segue.

E viva Moraes Moreira.


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