Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

A liderança de Dom Hélder


19/06/2015

Foto: autor desconhecido.

 

Há momentos que se tornam inesquecíveis. Um deles foi o que presenciei em agosto de 1968. Compareci ao Teatro Santa Rosa para assistir uma conferência que seria proferida pelo Arcebispo de Recife, Dom Hélder Câmara. Naquela noite se instalaria na Paraíba, por iniciativa da Arquidiocese, o Instituto de Formação para o Desenvolvimento.

O evento atraiu uma multidão, principalmente por ser o palestrante uma celebridade. Dom Hélder era o mais conhecido pregador da libertação dos povos oprimidos do terceiro mundo. Em qualquer lugar que chegasse era sempre uma atração. Portanto, aquela era uma oportunidade rara de ouvi-lo.

A quantidade de pessoas que acorreu ao Teatro Santa Rosa era tão grande que os organizadores da solenidade decidiram transferi-la para a praça pública. O clima, no entanto, era tenso. Militares e agentes do DOPS se faziam presentes ostensivamente, numa demonstração de que as forças repressivas do governo estavam observando e registrando tudo o que acontecia.

Dom Hélder falou para o povo em cima de uma camioneta, transformada improvisadamente em palanque. Quase ao final da sua palestra, foi advertido da presença da polícia de forma intimidatória, sendo avisado, inclusive, de que sete estudantes teriam tido suas prisões preventivas decretadas recentemente. Essa informação fez com que o arcebispo resolvesse encerrar seu pronunciamento, conclamando a todos retornarem para suas casas tranquilamente, sem qualquer manifestação que pudesse ser compreendida como atentado à ordem pública.

Testemunhei, emocionado, a extraordinária capacidade de liderança daquele homem. Ele conseguiu conter uma multidão que se inquietava com a repressão a que estava sendo submetida. Fiquei impressionado com a calma e tranqüilidade com que aquela massa humana se dispersou. Não fosse a sua força de ascendência sobre os que ali se faziam presentes, poderíamos ter tido uma noite trágica, em face do clima de agitação que já dominava o ambiente. Só alguém que merecesse o respeito, a admiração e a reverência do povo poderia conseguir transformar um cenário que se apresentava com ares de perturbação pública, numa reunião pacífica, sem incidentes.

Essa cena nunca saiu da minha memória.

• Integra a série de textos “INVENTÁRIO DO TEMPO II”.

 


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