Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Brasil

A Igreja Católica na Ditadura Militar


22/07/2024

Padres tentam evitar choque com policiais a cavalo durante missa de sétimo dia em memória do estudante Edson Luís de Lima Souto, nas proximidades da Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro. Ele foi assassinado em março de 1968 pela PM, em protesto contra a alta dos preços do restaurante universitário. (Imagem: Folhapress)

Não há dúvidas de que a Igreja Católica apoiou o golpe de 64. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade, organizada por membros do clero, que percorreu as ruas de São Paulo, no dia 19 de março de 1964, contribuiu em favor dos militares golpistas e dos grupos políticos e econômicos conservadores na decisão de depor o governo João Goulart. Nos primeiros anos da ditadura a Igreja Católica se afirmou como forte aliada do regime, se colocando como guardiã dos valores morais da família. Porém, a medida em que o regime então instalado adotava medidas autoritárias, aumentando as violações dos direitos humanos, percebe-se que ela foi se afastando do governo dos generais. O rompimento, de forma mais explícita, se deu com a promulgação do AI 5, em dezembro de 1968, que estabeleceu a tortura como método sistemático de interrogatório.

O que não se pode questionar é que a Igreja Católica desempenhou papéis contraditórios durante a ditadura militar no Brasil. Nos meses que antecederam ao golpe, a cúpula da Igreja se posicionou abertamente em aliança com os militares. Todavia, é impossível negar que, com o passar do tempo, ela passou a exercer um protagonismo essencial na resistência à ditadura, denunciando os abusos cometidos, tanto a nível nacional como para todo o mundo.

Organizações de base criadas e incentivadas pela própria Igreja discutiam abertamente as questões sócio-políticas do país e o relacionamento da Igreja com os ditadores, concorrendo para que muitos dos seus membros fossem pessoalmente afetados pela repressão. O caso mais conhecido foi a prisão e as torturas aplicadas aos frades dominicanos Betto, Tito, Ivo e Fernando. Por conta dos traumas sofridos, o frei Tito suicidou-se anos depois.

Alguns bispos declaravam-se contra as arbitrariedades cometidas e em defesa dos direitos humanos, mudando a face colaboracionista com o governo dos generais. Destacavam-se nesse posicionamento, dom Paulo Evaristo Arms, dom Hélder Câmara, dom José Maria Pires e dom Antônio Fragoso. Em uma entrevista concedida à imprensa, dom Hélder Câmara assim justificou essa nova postura da Igreja Católica: “A publicidade, no Brasil e no estrangeiro, sobretudo nos Estados Unidos, apresentava a situação do país como se realmente estivéssemos a um palmo da cubanização. É fácil entender que boa parte dos brasileiros tenha visto no movimento de 1964 uma salvação do comunismo. O fato é que, rapidamente, as ilusões cessaram. E, a cada dia, contamos com a colaboração magnífica da realidade do país. Basta honestidade e a realidade transforma o mais conservador em pessoa alerta contra as injustiças desumanas”.

Dois momentos marcaram essa transição da Igreja Católica na sua relação com o regime militar. Até 1967 a CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, entidade maior da Igreja em nosso país, esteve alinhada com o Estado, legitimando a ditadura. A partir de 1968, ao tempo em que o Brasil vivia um clima de efervescência política, com manifestações populares de oposição ao governo, a hierarquia eclesiástica fez opção definitiva pela justiça social e, principalmente, pelos direitos humanos, tornando-se a mais importante denunciante das atrocidades perpetradas pelos ditadores.


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