Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

A Festa das Neves


05/06/2015

Foto: autor desconhecido.

 

A relação entre o sagrado e o profano marca a tradição cultural das festas religiosas no Brasil. O catolicismo popular, por ocasião do calendário religioso de cada cidade ou região, promove ao longo dos séculos o que chamamos de “festas dos padroeiros”. Elas, quase sempre, se tornam patrimônio cultural de cada localidade.

Em tempos passados a programação incluía a celebração de rituais na parte interna da igreja, antes de se iniciarem os eventos considerados profanos. A festa de rua não estava autorizada a começar enquanto não terminassem as novenas (rezas realizadas durante nove noites consecutivas). A partir daí a população estava liberada para usufruir das atrações do evento na via pública. A Igreja, no máximo, controlava o que acontecia nos pavilhões centrais, onde se realizavam bingos, leilões e sorteios de brindes, destinados a arrecadar recursos financeiros para a paróquia.

Na rua a organização normalmente ficava por conta da administração municipal, que se encarregava de organizar as barracas com fins comerciais, os parques com brinquedos que atraiam crianças e adultos, os shows com artistas da terra e convidados. Enfim o poder público tomava conta do perímetro urbano no entorno da igreja para ordenar a festa profana.

Em João Pessoa a participação popular com essas características era a “Festa das Neves”. O início do mês de agosto, em que pesem as chuvas que nesse período costumam cair com mais intensidade, sempre foi ansiosamente esperado pela população. A cidade inteira dela participava. Era a oportunidade em que no passeio público as diferentes classes sociais vivenciavam das mesmas ofertas de lazer, ensejando efetivamente uma integração da comunidade. Embora existisse, não sei se existe ainda, um espaço na área comercial (as barracas de alimentação, jogos e bebidas), preferido pelas camadas mais pobres, e que chamavam popularmente de “a frasqueira”.

Confesso que não fui dos mais assíduos frequentadores dessa festa. Quando criança poucas vezes fui lá com meus pais. Quando adolescente ia esporadicamente, até porque meu pai não permitia chegar em casa após as vinte e duas horas. Já na fase adulta também minhas idas à festa das Neves se restringiam a comparecer aos pavilhões oficiais dos governos do Estado ou do Município, por ocasião do exercício de cargos na administração pública.

O que observo nos dias atuais é que a festa está perdendo seu “glamour” de antigamente. Talvez porque a cidade ganhou muitas outras opções de divertimento. Pode ser também em razão da violência urbana crescente. O fato é que ela já não possui mais a atratividade que antes possuía para a juventude.

Todavia, há de se considerar sua importância cultural. Os poderes públicos têm a responsabilidade de não deixarem morrer essa tradição. Adequa-la aos tempos da modernidade, sem que perca as suas características de origem. Procurar, de todas as formas, preservar esse espírito festeiro do povo brasileiro, na conformidade da nossa identidade local.

Não poderia escrever sobre as reminiscências de um tempo que vivi sem colocar a Festa das Neves como um acontecimento social que se faz presente na memória de todos os que foram contemporâneos da minha geração.

• Integra a série de textos “IVENTÁRIO DO TEMPO II”.


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