Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

A crise político-militar de 1977


11/09/2015

Foto: autor desconhecido.

Apesar de algumas atitudes típicas de qualquer regime totalitário, percebia-se que de fato o presidente Geisel estava sinalizando promover a distensão política no país. Isso gerava alguns descontentamentos dentro do círculo militar, liderados pelo então Ministro do Exército, General Sylvio Frota, um anticomunista convicto.

Frota articulava uma reação do grupo conhecido como “linha dura” das Forças Armadas, procurando inclusive se credenciar para ser o candidato a sucessão de Geisel. A direita militar se organizava no sentido de alcançar esse objetivo, porque avaliava que no governo começava a haver infiltração de esquerdistas interessados em tomar o poder. Nessa ótica produziu um relatório no primeiro semestre de 1977 em que nominava noventa e sete pessoas que ocupavam cargos na administração federal, segundo ele, comprometidas com ações consideradas subversivas. Entre esses servidores figurava a atual presidenta da república, Dilma Roussef, que trabalhava na Fundação de Economia e Estatística, no Rio Grande do Sul. Todos os denunciados foram sumariamente demitidos por imposição do General Frota. Dilma voltou em 1993 na condição de presidente da instituição.

Desconfiado das manobras políticas do seu Ministro do Exército, Geisel já não o convidava para despacho com frequencia. No entanto, Frota se julgava com força suficiente para enfrentar o presidente. No parlamento contava com o apoio de cerca de noventa parlamentares da ARENA, embora tidos como do “baixo clero”, todos políticos sem expressão. Mas isso fazia com que se sentisse animado na pretensão de se tornar o futuro presidente da república.

Geisel resolveu agir enquanto era tempo. No feriado de doze de outubro de 1977, convocou logo cedo uma reunião com os ministros Golbery do Couto e Silva do Gabinete Civil, Hugo Abreu do Gabinete Militar, João Figueiredo do SNI, o secretário particular Major Heitor de Aquino e o secretário de imprensa Humberto Barreto. Desse encontro saiu a decisão de afastar o General Sylvio Frota do governo. Antes, porém, de chamar o Ministro para fazer a comunicação de sua demissão, teve o cuidado de manter entendimentos, por telefone, com todos os generais de quatro estrelas, convocando-os imediatamente a Brasilia.

As dez horas o General Sylvio Frota estava no gabinete presidencial para tomar conhecimento de sua exoneração. Segundo alguns historiadores foi assim o diálogo do momento. Geisel- “Frota, nós não nos entendemos mesmo. Quero que você se demita”. Frota- “Não tenho a menor intenção em demitir-me. Sou o Chefe do Exército”. Geisel- “Então você está demitido porque o cargo me pertence”. Frota- “Você não tem força para isso e eu não me demito”.

Saiu de lá na convicção de que haveria um levante militar em seu favor. Ledo engano. Nos contatos que manteve com seus companheiros de farda, compreendeu que havia perdido a batalha. Resolveu então distribuir com a imprensa um manifesto de oito páginas em que acusava a infiltração comunista no governo.

Geisel foi na história do Brasil o único presidente que teve a coragem de demitir o seu Ministro do Exército. Naquela data, às dezesseis horas, empossava o substituto de Frota, cuja escolha recaiu no nome do comandante do III Exército, General Fernando Belfort Bethlem. Esse episódio nos salvou do endurecimento do regime e abriu espaços para as ações que promoveram a abertura democrática do país.

• Integra a série de textos “INVENTÁRIO DO TEMPO II


O Portal WSCOM não se responsabiliza pelo conteúdo opinativo publicado pelos seus colunistas e blogueiros.
Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.