Saúde

Projeto oferece aulas de ioga ao ar livre para moradores de rua

PROJETO VOAR


10/04/2017

Quem passa pelo Aterro do Flamengo, na altura do Posto 2, nas manhãs de segunda-feira, não fica indiferente a um grupo que faz movimentos de ioga debaixo de uma goiabeira. A cena se repete desde o ano passado. Voluntários formam um círculo com suas esteiras e esperam que os alunos, moradores em situação de rua, se aproximem.

A iniciativa batizada de "Projeto Voar – Ioga de Rua" atende assiduamente em três lugares: Aterro do Flamengo, às segundas-feiras; Parque Guinle, em Laranjeiras, às quartas; e Praça Paris, na Glória, às quintas.

O projeto começou há 12 anos, quando o professor André Ahlaad, hoje com 38 anos, passou a servir café da manhã para quem dormia na rua. Quando descobriu que seria pai, floresceu a vontade de fazer um projeto ainda maior.

“Eu já participava do projeto do café da manhã, mas tinha saído um tempo. Quando eu e minha mulher engravidamos e vendo essa história de “minha filha vai nascer”, eu quis mudar o mundo. Voltei pro café e decidi voltar com mais intensidade. Oferecer o trabalho de meditação e resolvi fazer o trabalho da ioga. O resultado foi impressionante, as pessoas relatavam que tinham mudanças muito fortes. Falei: 'É isso, estou no caminho'”, diz o professor, que conta também com a ajuda de outros voluntários.

Ao final de cada encontro, é servido um almoço vegano. A comida atraiu inicialmente Marcelo Pereira dos Santos, de 41 anos. Nascido em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, diz morar na rua desde os 8 anos. Assume que começou a frequentar as aulas de ioga para comer, mas hoje vê as melhorias que a prática da atividade proporcionam.

“Eu estou em situação de rua. Então, geralmente o morador de rua procura onde tem alimento. Com o tempo, eu comecei a gostar do negócio, não só da comida", conta.

Marcelo diz que a prática evita que faça "besteira" nas ruas da cidade.

"Aqui eu ocupo meu tempo, em vez de ficar vegetando pra lá e pra cá. Em vez de procurar coisa errada pra fazer, ficar pensando besteira, eu ocupo minha mente fazendo ioga. Se tivesse o dia todo, talvez eu fizesse. Pra ocupar meu tempo, pra não ficar por aí andando. Não vou falar que fico sozinho fazendo por aí, acho esse negócio meio cafona, só tenho coragem mesmo quando estou aqui”, brinca.

Ele conta que já aprendeu diversos movimentos e que a concentração faz os alunos entrarem no ritmo e esquecerem os percalços de viver na rua.
“Tem um negócio da borboleta, que é pra mexer uma parte dos músculos, lombar… Não é fácil viver na rua. Tem o peso na noite, da chuva, do sereno. Não dormimos direito, não nos alimentamos direito. É a guarda perturbando, o recolhimento, às vezes a polícia dando dura. Quando venho aqui pra ioga, descarrego tudo.”
Quem também percebeu os benefícios da atividade foi Edmar Reis Werneck, de 50 anos. Ele diz que saiu de casa aos 12 anos por não se dar bem com sua família.

“Eu comecei dentro da ioga a conversar com as pessoas, porque muitas das vezes eu era muito agressivo, ignorante. A pessoa fazia uma pergunta e eu não sabia responder. Hoje eu me sinto uma pessoa até feliz, porque eu me vejo na sociedade. A ioga tem me ensinado muito isso”, conta.

Apesar de se sentir mais sociável, ele não pretende voltar pra casa. “O máximo que eu ficava fora de casa era 1 mês. Quando eu sentia saudade da minha mãe, eu voltava pra casa. Inclusive essa semana mesmo eu liguei e ela está querendo que eu volte. Mas eu já botei no coração que eu não quero voltar. Dói falar isso, gosto da minha mãe, mas de modo geral, não me dou com ninguém lá.”

Número de moradores de rua triplica
O número de moradores de rua na cidade do Rio triplicou desde 2013. Os dados recentes da prefeitura mostram que quase 15 mil pessoas vivem hoje nas ruas. No censo de 2013, eram mais de 5 mil.

O baiano José Silva dos Santos Filho, de 36 anos, é um exemplo do retrato recente do Rio. Morando na rua há 2 anos, diz que chegou a ganhar uma bolsa de 100% para cursar Relações Internacionais através do Enem, mas só conseguiu cursar durante 3 meses.

“Eu precisava trabalhar e morava em Belford Roxo, e a faculdade era no Centro. Era melhor ganhar dinheiro do que estudar, então abandonei o curso”, pondera.
“Ninguém mora na rua por decisão, a gente é levado a isso. O ser humano é nômade por sua essência. Eu estou passando por um momento de rua. Minha cabeça não funciona que eu vou ficar assim por muito tempo. E vejo que é uma situação que não atinge só a mim, mas a 200 pessoas que dormem do meu lado.”
José se juntou recentemente ao grupo de ioga e enumera bons resultados.

“Desde sempre eu tive a curiosidade, procurei entender o que era ioga, procurei conhecer, mesmo na minha vida normal. A importância da respiração, com a prática, só está me ajudando mais a entender e me conhecer melhor. Me sinto em paz e desconectado da realidade que a maioria das pessoas vive. A ioga tem me ajudado a manter a serenidade que é preciso”, conclui.



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