Paraíba

Professor da UFPB fala sobre neoliberalismo e disciplina fiscal no Brasil

DEPT. DE ECONOMIA


22/06/2017



O professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Lucas Milanez de Lima Almeida, analisa em novo artigo no Portal WSCOM, neoliberalismo e disciplina fiscal no Brasil.

"Existe uma discussão na literatura econômica brasileira se, de fato, o neoliberalismo foi mantido ao longo de todos os governos do PT".

Leia o artigo na íntegra:

Neoliberalismo e disciplina fiscal no Brasil

Lucas Milanez de Lima Almeida

A ciência econômica, como toda ciência social, apresenta um conjunto diverso de teorias que explicam a realidade. Dentre elas, existem as que admitem que o sistema econômico atual, o capitalismo, sofreu profundas transformações na década de 1970. Uma das características materiais que emergiu no período, e que corresponde a um dos seus traços basilares, é a mundialização de dois elementos essenciais à dinâmica econômica: os processos de produção de mercadorias e de financeirização da economia.

A mundialização da produção corresponde à participação de diversos países nas fases de idealização, produção, venda e/ou consumo de mercadorias e pode ser vista, dentre outras formas, através das cadeias globais de valor. Por sua vez, a financeirização deve ser subdividida em dois aspectos. O primeiro é a transformação de empresas que atuavam em um ramo específico, mas passaram a reunir atividades industriais, comerciais e, principalmente, bancárias (os exemplos mais evidentes são as montadoras de veículos, que, além de produzi-los, os financiam através dos seus próprios bancos). O segundo é o uso de dinheiro temporariamente ocioso (fundos de reserva e amortização, poupanças pessoais, etc.) em aplicações financeiras (mercado de ações, títulos públicos, etc.).

É neste contexto de transformação material que surge o Consenso de Washington, um conjunto de medidas que tem como objetivo central a adequação institucional das economias nacionais às necessidades destas novas características do sistema. Adotando-se este receituário, um país passa a apresentar um modelo de desenvolvimento neoliberal, que, por um lado, quebra as barreiras ao processo de globalização e integra ainda mais o país no mercado mundial, mas, por outro, aprofunda as contradições e desigualdades inerentes o capitalismo.

No Brasil, apesar de ainda não ter ocorrido de maneira plena, a implementação do neoliberalismo iniciou-se no governo Collor, continuou no governo Itamar e aprofundou-se nos governos FHC. Do ponto de vista político, não houve nenhuma contradição entre o prometido e o executado por estes presidentes. Por sua vez, após a vitória de Lula nas eleições de 2002, era de se esperar que a introdução do receituário do Consenso fosse freada e, quiçá, revertida. Não foi isto que aconteceu. A “carta ao povo brasileiro” de junho daquele ano já indicava qual seria o caminho trilhado pelo então candidato.

Existe uma discussão na literatura econômica brasileira se, de fato, o neoliberalismo foi mantido ao longo de todos os governos do PT. Alguns autores afirmam que em meados de 2006, ainda com Lula, houve uma reversão e iniciou-se um modelo “novo-desenvolvimentista”. Com ele, a política econômica neoliberal teria perdido espaço e se iniciaria uma nova fase, a qual, argumentam, foi mantida e aprofundada por Dilma Rousseff por meio da “nova matriz econômica”.

Pois bem, em trabalho recente (http://outubrorevista.com.br/wp-content/uploads/2016/03/7_Almeida-Gil-e-Balanco3.pdf), pesquisadores apresentaram evidências de que não houve diferenças significativas na forma como os governos FHC, Lula e Dilma mantiveram a disciplina fiscal do Estado, um dos pilares do neoliberalismo. A metodologia buscou comparar determinados gastos mensais e foi capaz de identificar os momentos em que as contas de um governo se assemelharam de maneira significativa às observadas em outro.

Por exemplo, em 51% dos meses de governo FHC, o percentual dos resultados nominal e primário do governo se assemelharam consideravelmente ao observado nos governos do PT. No caso do endividamento interno líquido este percentual foi de 62,5%, para os encargos da dívida a cifra foi de 73,6% e para a conta financeira, de 36,1%. Ou seja, tais gastos mensais observados durante os mandatos tucanos tiveram uma relevante semelhança com os valores observadas nos governos petistas. Apenas o estoque da dívida pública apresentou diferença significativa, pois em apenas 1% dos meses de governo tucano a estrutura do endividamento foi semelhante àquela observada nos governos Lula e Dilma. Esta mudança foi na direção de reduzir a exposição dos títulos a indexadores mais voláteis, como o câmbio, em direção a papeis pré-fixados e ligados à Selic. Uma das conclusões a que chegaram os autores é a de que não ocorreram grandes mudanças na forma como os governos conduziram a disciplina fiscal.

Se, de um lado, há quem fale de uma restauração neoliberal com o desmoralizado governo Temer (ou outro que se forme antes de 2019), de outro podemos dizer que, para além do orçamento público, o neoliberalismo manteve suas características ao longo das últimas décadas. Sem dúvida este modelo será aprofundado, mas não pela disciplina fiscal, vide os rombos esperados no orçamento desse ano e do próximo. Na verdade, caso não haja reação popular maciça, o que virá é a retomada das contrarreformas que não foram terminadas pelo PSDB e apenas parcialmente implementadas pelo PT. 



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